NOS BECOS DA WEB...

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Conspiração

eu sou uma andorinha que precisa de muleta para voar.
ou uma muleta que precisa de andorinha para apoiar?
ou uma pedra pra você atirar no peito do peido.
ou uma geleia amorfa de abacaxi cheio de dentes
com obturações ácidas de tanto açúcar - necrotério dos bois!
Boicotem o açúcar pois quem come açúcar boicota o boi.
E quem come pernil porcocota o porco.
O parco porco que tem inveja dos elefantes com sua pele enrugada.
Os elefantes são sábios com suas grandes orelhas.
Um ruminante antigo que giraflora o planeta.
E nunca se acaba na minha panela!
A panela preta do planeta penetra nas carnes dos elefantes rugosos
e a pipoca explode feito uma pele pocando: o torresmo é uma pele pocada
no óleo gordurento das panelas pretas - mutretas!

Parem com a conspiração contra os animais!
E me digam se não seremos muito mais!

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Aconteceu no Triângulo das Bermudas

Dia 14 de novembro, no bar Abertura, situado num complexo de bares e restaurantes conhecido como Triângulo das Bermudas (em Vitória - ES), um segurança do mesmo bar empurrou violentamente um vendedor de amendoim que simplesmente estava fazendo seu trabalho. O vendedor ralou o braço e seu amendoim ficou todo esparramado no chão, sem falar na humilhação que sofreu. Logo um sujeito "bombado" apareceu "entrando numa" com o segurança, que caiu fora. Algumas pessoas deram dinheiro ao vendedor ambulante e outras também o apoiaram de outras formas. Mas, se eu fosse esse vendedor de amendoim (aliás, adoro amendoim e ele cai super bem com uma cerveja!), eu processava o bar Abertura. O gerente disse ao meu primo que iria demitir esse segurança truculento, mas, independente de ter demitido ou não, mesmo assim o vendedor deveria processar o bar.

Até quando os trabalhadores vão ficar sendo humilhados desse jeito?

domingo, 27 de novembro de 2011

Narciso

Cansei de falar.
Porque a folha arde e se queima,
e assim mesmo os olhos a evitam
enquanto só fitam
as sombras na parede
das cavernas de suas próprias retinas.

Que espelho é esse
que só reflete o si-mesmo
mesmo que haja
uma multidão à frente, ao redor, dentre os poros abertos
da pele do rosto,
cujo reflexo,
embaçado, distorcido,
boia no lago
e devolve ao gago mendigo
um rei eloquente?

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Moralismo nojento

No site do Yahoo! (que não está me pagando nada pra que eu o divulgue, e aliás geralmente só publica banalidades) está disponível hoje o vídeo-entrevista "2 Chopes com Simone Spoladore", e abaixo do vídeo há uma nota que fala de sua personagem lésbica que se apaixona por um travesti, personagem de um filme que não tem nada a ver com a novela que ela faz ou fará (porque não perco meu tempo vendo novelas pra poder saber) na Record, mas as pessoas nem vêem o vídeo e saem confundindo o filme com a novela, e saem publicando comentários ultraconservaores como "do ponto de vista da moral isto é contra a dignidade humana.........................................", comentários que não são retirados do site, mas o meu comentário "grande Simone! agora que ela saiu da Globo sou ainda mais fã dela! Excelente sua atuação no filme Lavoura arcaica! E o que fere a dignidade humana é o preconceito moralista e predatório!" está sendo retirado o tempo todo! Imagino o que o site do Yahoo! não deve estar recebendo de comentários não publicados acerca do meu comentário pra retirá-lo o tempo todo, já que estão sendo publicados comentários com "fervor cristão" reclamando do bispo (que também é cristão, mas de facção diferente da do comentarista) que empregou atriz que "se submeteu a tal papel", ainda que este papel - imagino - aparentemente não tenha nada a ver com o papel da novela que ela faz na Record.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Despedida

Minha cachorra já tinha operado umas quatro vezes, a primeira vez para retirar um tumor benigno que poderia vir a crescer muito e atrapalhá-la, uma das vezes para retirar o útero e ovários, na última vez para retirar um dos cordões mamários (dessa vez era câncer mesmo). Já tinham aparecido novos caroços nela depois da última operação, e depois dessa mesma última operação, ela voltou com uma respiração ofegante (minha ex-professora de Tai-Chi Chuan - "chi" é respiração - já tinha dito numa de suas aulas que os bebês e animais normalmente respiram pelo abdômen, e não pelo tórax, pois a respiração pelo abdômen é a respiração natural e assim sempre deveríamos respirar), notei que ela estava respirando pelo tórax logo depois que ela voltou da cirurgia, e ela há muito tempo já tinha sopro no coração, e seu coraçãozinho deve ter sido muito afetado por esta derradeira cirurgia, pois um exame detectou que a situação estava bem grave. Quando ela estava boa, passeava todos os dias na rua umas três vezes por dia, nos últimos tempos nem saía de casa mais para passear, mesmo dentro de casa ela mal andava, estava toda molinha.

Um dia, todos nós sofrendo junto com ela por toda essa situação, ela estava quietinha deitada no seu canto e eu sentada lendo de onde podia observá-la de perto, de repente ela olhou pra mim e deu uma gemidinha prolongada. Eu não fazia ideia do que ela estava sentindo, chamei-a para dar uma pequena volta pela casa, então a minha mãe a pegou no colo e disse que ela não podia fazer nenhum esforço por causa do coração, nem mesmo uma pequeniníssima volta que achei que fosse distraí-la. Minha mãe se sentou no puffe da sala com ela no colo, o corpinho dela estendido apoiado em suas pernas. E eu me sentei numa cadeira e a Frida, minha cachorra, ficou um tempão com os olhos pousados em mim, enquanto minha mãe conversava comigo. Um pouco depois disso, nesse mesmo dia, minha mãe a achou estendida no chão, desfalecida, perto dos jornais sobre os quais ela fazia suas necessidades. 

Vai ficar pra sempre na minha memória esse olhar derradeiro que ela pousou em mim, olhar doce e meigo, com a expressão mais linda que ela poderia me presentear em seu último dia conosco. Olhar demorado, olhar iluminado, como se - já diz a sabedoria popular - ela fosse um anjo prestes a retornar ao céu, e essa fosse sua forma de me passar uma mensagem. Mensagem linda, por sinal, que, como já disse, nunca vou esquecer. Obrigada, Frida, por ter se despedido de mim de maneira tão doce.

(Minha carroça, digo, meu PC está tão lerdo que não consigo fazer upload de uma foto dela pra vocês terem uma ideia da meiguice desse olhar de que tanto falei e que tanto me tocou).


terça-feira, 18 de outubro de 2011

Pós-túmulo

Quando nasci, um anjo canhoto
rabiscou todo o meu poema,
amassou a folha e a jogou no lixo
e disse:

vá viver seu rascunho
e não ouse passar a limpo!

Mais tarde, engatinhei até a lixeira
e de lá tirei o novelo pautado.
Desembolei a folha
e nela estava escrito
em letras garrafais
e linhas tortas:
"Libertas quae sera tamen"
ou seja:
Liberdade, ainda que no além.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

O papel e seus pilotos

Eu queria sair escrevendo qualquer coisa, pelo simples prazer de riscar o papel... Para as futuras gerações, explico: "papel" é uma lâmina feita de celulose e água, por isso é duplamente anti-ecológico (por isso que entrou em extinção e vocês não sabem mais o que é. Como na minha época algumas pessoas não sabem o que é papiru e / ou pergaminho. Ao contrário do que você poderia imaginar, "papiru" não é um nome pornográfico. É o ancestral do papel, que é o ancestral da tela de cristal líquido. Apesar de líquido, o cristal líquido não é feito de água, por isso não é tão anti-ecológico quanto o papel e por isso o substituiu). Como com tudo na vida, as pessoas desviavam a verdadeira função do papel e faziam aviões de brinquedo com eles, que ficavam dançando no ar mais ou menos como essas folhas que caem das árvores e ficam indecisas em irem direto pro chão. Alguns aviões de papel faziam malabarismos e cambalhotas no ar, deviam ter pilotos aventureiros e viciados em adrenalina. Quanto mais aventureiro o piloto, maior o sucesso do avião de papel em atrapalhar a aula das professoras. Ah, você também não sabe o que é professora? É que antigamente não havia internet, então eram as próprias pessoas quem transmitiam o conhecimento umas às outras, e essas pessoas que trasmitiam o conhecimento eram chamadas de "professoras". Todo mundo era um pouco professor, como ainda é até hoje (hoje quando?).

Voltando ao papel, ele era um instrumento que não tinha um teclado imbutido, como os computadores têm. Então as pessoas usavam primeiro uma pena de ave molhada no nanquim, que é uma tinta que as lulas soltam, e depois passaram a usar canetas esferográficas, que tinham esse nome pois tinham uma pequeniníssima esfera em sua ponta que ia rodando no papel e soltando a tinta aos poucos.

Outro dia conto mais sobre a pré-história pra você, meu filho. Por hoje é só, pois você já está embalado nesse sono e nem me ouvindo está mais. Boa noite. Durma com os anjos, que são seres alados que têm bochechas rosas e sopram sonhos nos nossos ouvidos, aí eles (os sonhos) rodam na nossa mente feito filme em 3D.

sábado, 8 de outubro de 2011

Só por consideração aos meus escassos leitores digo que já não tenho voz pra cantar, por isso pretendo dar um tempo com este blogue. Digo "pretendo" porque já tentei interromper esta atividade outras vezes, sem sucesso, pois minha ânsia de escrever e minha ânsia de postar me impediram que eu realizasse meu intento. Talvez vocês agora possam saborear um feijão sem ter que mastigar a pedra, digo, talvez minha ausência seja bem-vinda. Não sei quando volto, talvez amanhã, talvez daqui a dois anos, talvez nunca. Por isso agradeço a quem compartilhou comigo este espaço.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Show de Bola

Sabe, acho que há uma certa luta de classes ofuscada no futebol carioca. O torcedor negro, pobre, morador da favela (pois há um preconceito classista contra os flamenguistas, sim, chamados de "favelados" e "trombadinhas") que reúne todas as suas forças para apoiar um time de forte apoio popular como o Flamengo, cujos jogadores sempre dão duro no campo, ainda mais quando se trata de uma partida contra seu principal adversário, o Vasco, que por sua vez representa os portugueses descendentes dos antigos senhores de engenho, que escravizaram os negros que hoje são torcedores do Flamengo. Desculpem-me se alguém já falou isso antes, não procurei ler nada a respeito e ignoro anterior análise sobre o assunto. Continuando, é até conveniente para as elites que o Flamengo ganhe sempre (como os flamenguistas não se cansam de dizer), pois, assim, a luta de classes se resolve no campo e não toma proporções "indevidas". Os torcedores, representando suas respectivas classes (um torcedor de classe média que opta pelo Flamengo toma o partido do "povão"), ao direcionarem todas as suas energias para o futebol, apaziguam a luta de classes nos demais campos sociais.

Claro que não é tudo "preto no branco", e pode haver um torcedor flamenguista e elitista, pois dissocia o futebol de sua dimensão social.

Indo um pouco mais fundo, a insurreição flamenguista contra o vascaíno português (pleonasmo), pode ser vista como uma legítima revolta da população brasileira, já constituída com o acréscimo do elemento africano, contra as elites europeias (neo)colonizadoras, representadas por Vasco da Gama.

O mesmo se dá na rivalidade futebolística entre Rio e São Paulo. O carioca, visto como "farofeiro", ou seja, do povo, contra a elite industrializada de São Paulo.

Talvez seja por isso que o futebol seja tão importante economicamente. Ao direcionar toda a energia da população mundial para as disputas nos gramados, os grandes empresários do esporte "põem panos quentes" na luta de classes, amortecendo os conflitos (que ficam reduzidos a meras guerras - demasiadamente infantis - entre torcidas) e aquecendo a economia global com o constante espetáculo do futebol.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Conversa pra boi dormir

A Globo quer mesmo que acreditemos que a economia dos EUA mudou nos últimos dez anos por causa do atentado de 11 de setembro de 2001? Foi isso que a Míriam Leitão deu a entender hoje de manhã... Tudo isso pra não falar mal do capitalismo? Pra não falar que ele é autofágico e ele mesmo é a causa de seu próprio fracasso, com suas crises de superprodução? A economia dos EUA já vinham declinando há muito tempo, muito antes desse atentado... Também, com toda a miséria que é necessária haver para existir o capitalismo, quem vai consumir tudo o que eles produzem? Não era necessário ser nenhum gênio para perceber que a economia do mundo já vinha declinando no ano 2000... nesse ano minha tia comprou um carro, e nem pagou tanto assim, e ela perguntou: "Que dia eu posso vir buscar?", e eles responderam: "Não, a gente entrega na sua casa...". Tanto esforço em agradar o cliente, ainda mais o cliente tendo pagado um preço abaixo do valor "real" (ou o carro que estava supervalorizado, para gerar lucros hediondos?), só pode ser suspeito...

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Blogagem coletiva: a ficção e o que podemos fazer para essa ficção não continuar sendo uma tragédia

A noção de nação é uma ficção. Pessoas que acreditam ter o suficiente de características em comum para constituir uma nação sustentam essa ficção. É só formar um exército para defender as fronteiras delimitadas por linhas geográficas imaginárias, fazer uma lavagem cerebral para que as pessoas acreditem mesmo ter as tais características em comum suficientes e... temos uma nação!

Mas, já dizia Goebbels, uma mentira mil vezes repetida torna-se verdade. E como pessoas demais acreditam nessa ficção, temos que respeitar essa crença se quisermos ver efetuadas as nossas garantias que teríamos naturalmente se ainda fôssemos, por exemplo, uma sociedade de subsistência, como éramos antes dos europeus aqui chegarem e imporem seu modo de vida.

Estou querendo dizer que devo ser mais prática. Vamos supor, por exemplo, que sejamos cerca de 190 milhões de brasileiros regidos por uma República Federativa, que se diz democrática (e não o é), representada no momento pela presidenta Dilma Rousseff. Então, já que estamos todos alucinados e acreditamos nessa ficção, temos que ver nossos direitos básicos garantidos, de acordo com o que diz, por exemplo, nossa Constituição.

Estou escrevendo este texto como resposta à proposta da blogueira Van, do Retalhos do que sou. Então vou focar exclusivamente numa questão específica para que vejamos garantidos nossos direitos básicos, como cidadãos brasileiros: a questão da regulação dos meios de comunicação.

Porque, enquanto não tivermos essa tal regulação, seremos governados pela grande mídia e não por quem elegemos de fato para nos representar, e, enquanto não tivermos essa tal regulação, só veremos nossos representantes de fato como a grande mídia quiser que os vejamos, pelos ângulos que eles querem que vejamos.

Então é isso. Acho que esse talvez seja o início de algo que poderemos chamar verdadeiramente de democracia, ainda que a democracia fictícia de uma nação fictícia - como todas as nações - e, talvez, se agirmos localmente, dentro dos limites imaginários de nossa nação, talvez um dia possamos agir globalmente.

Só quando nos livrarmos dessa ditadura - a ditadura exercida pelos meios de comunicação (obviamente que não estou falando de um meio de comunicação como este blogue, praticamente irrelevante em termos de números de leitores. Estou falando de uma mídia mais abrangente, a chamada "grande mídia") - poderemos começar a sonhar em ver nossos direitos básicos garantidos.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

A não-posse é uma posse

Estou fazendo o que eu posso
Ou melhor, o que eu não posso
com minha falta de posses.

A obsessão da possessão
Possui o mundo.
E quem possui
a falta de fundos
se esfalfa
e é excluído
e é imundo.

Mas é também um consumidor
num mundo em que se vendem créditos
e se afunda em dívidas
multiplicadas por juros inéditos.

Possuir a não-posse
é também possuir
e é ser vítima de si mesmo,
pois quem mandou acreditar nessa ficção
que é a propriedade privada?

domingo, 4 de setembro de 2011

Pureza Tóxica

Tanto sangue
se derramou em seu Nome
que já não sabemos
se seu Nome é santo, como se diz
Ou se você veio de Marte.
Não se pode matar
em nome de uma causa sã
e seu Nome justifica
tantas torturas
que já não julgamo-Lo digno
de nos levar às alturas.
Como se sobe tão baixo?
Como se eleva tão raso?
A Causa Pura é pestilenta
Tão pura quanto uma higiene neonazista:
Não derramamos mais sangue.
Criamos a câmara de gás
para matar sem derramar sangue.
Assim se varre a sujeira para debaixo do tapete.
E viva a tortura
em Nome de uma Causa Sã:
Causa Sã gue.

sábado, 3 de setembro de 2011

O navio branqueiro

Senhor Deus dos desgraçados!
Respondei-me vós, Senhor Deus:
quantos bois são necessários
para embranquecer o açúcar
que adoça meu café
nessa manhã em Jardim da Penha?

Pra quê tanta carnificina?
Porque não gostamos da aparência do que é escuro
(é bobagem falar em racismo aqui e agora?)
clareamos o açúcar que adoça nossa boca
com ossos de bois moídos
- e fodam-se os bois
que doaram sua vida, sua carne e até seus ossos
pra alimentar o doce racismo nosso!

Gados! noite! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei as várzeas, tufão!...

Quem são estes desgraçados,
Que não encontram em vós,
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?
Quem são?... Se a estrela se cala,
Se a várzea à pressa se alaga
Como um cúmplice fugaz,
Perante a noite confusa...
Dize-o tu, severa musa,
Musa libérrima, audaz!

São os bois que pastam nos campos
ou talvez só se alimentem de ração!
São castrados - uma violência a mais!
E os alimentam para que tenham uma carne tenra e saborosa
que será vendida no açougue.
Sua pele virará o couro
de que é feito as bolsas, cintos, sapatos e demais acessórios
de homens e mulheres.
E, como tudo tem que dar lucro,
vendem até os ossos,
que serão moídos e embranquecerão
o doce açúcar do Gullar em Ipanema.

Mas são reles bois - dirá o especista / humanocêntrico.

Podem eles sofrer? Podem eles não terem o logos? Podem eles não poder?

Hoje tomei duas xícaras de café sem açúcar nem adoçante -
não estava a fim de comer pó de osso de inocentes e dóceis vítimas.
O café ficou indigesto.
Mas minha consciência ficou limpa.
Cedo, cedo, muito cedo mesmo, senti sono - será a falta do açúcar?
Vou descobrir como me manter numa vigília digna desse nome o dia todo
- e sem comer açúcar!

terça-feira, 30 de agosto de 2011

tudo-nada

eu sou tudo pra ele
mas ele é muito complicado e não pode ficar comigo

E eu sou tudo só pra ele.
Pros meus pais não valho nada!
e a sociedade não dá um tostão furado por mim!

Sem

eu visualizei uma esperança tão falsa
e achei que já fosse a estrada da felicidade
uma estrada com flores nas margens...
mas era só mais uma das armadilhas da vida

Até hoje eu ainda não aprendi
que raios de sol não chegam
ao calabouço
e que minha sina é conviver com os ratos do esgoto
roendo a minha alma que é de um tecido frágil
e fácil de ser roído

meus ii nunca terão pingo
meus cordões nunca terão pingente
sou sortuda como os mendigos
minha sina é ser indigente

e cada passo em falso
me leva mais rápido
para o fundo do poço

e cada gruta funda
me rejeita de seu possível abrigo

e congelo sem aconchego
nua na geada
sem nem o caroço
da azeitona da empada
sem nem o resto do almoço
sem nem os farelos da mesa
sem nem um trapo pra me cobrir
e sem arco-íris pra colorir
esse dia cinza...

Lamento

A vida triturou meus sonhos... Por que também eu tinha que ter escolhido o caminho mais difícil? Ser escritor nunca foi fácil... A educação que recebi me enganou, ao valorizar os escritores... Os livros didáticos de português sempre vinham com textos de autores consagrados - mas, e daí? A própria Clarice Lispector, que admiro tanto, nunca teve uma vida financeira fácil, apesar de ter tido seu talento reconhecido em vida...

Terminei um romance, registrei na Biblioteca Nacional, enviei para uma editora avaliar - mas a resposta, e isto se eu obtive-la (porque, se o livro não for aprovado, eles simplesmente não respondem), pode demorar até um ano. Outra editora fala para procurarmos uma agência literária para nos representar... mas e quem mora fora do eixo Rio-São Paulo, como faz para buscar uma representação dessas?

É muito difícil não ver seus esforços reconhecidos... e eu nem sei mais o que escrever para expressar minha angústia... O mercado não é nem um pouco generoso com novos autores, e todo mundo está cansado de saber disso.

Um educador sempre precisa ter esperança... mas como vou vender essa moeda podre - a literatura - para meus possíveis alunos?

sábado, 20 de agosto de 2011

O inevitável crescimento das pedras

A fórmula do saber
fermenta fartos princípios.
A fórmula do poder
revela parcos princípios
de príncipes e precipícios
e da mente hospedeira: um hospício.
Pedras, peixes, seixos e sais
O talco é poeira só:
fuligem albina
dispersada pelos Alpes
e decodificada pelos árabes
detentores dos segredos
das pílulas orientais
que os europeus douraram
com um açúcar ocidental
e venderam como
autêntico produto da Europa
e mesmo assim
hoje esta está na bancarrota
embora os bancos arrotem
euros
e os escondam da população
debaixo de seus colchões infláveis cobertos
por travesseiros de penas de ganso.

O poeta foi expulso da República
porque ele é danoso para
seus princípios de precipício
e porque ele retira a venda dos olhos
daqueles que brincam de cabra cega
Mas em terra de ciclopes
quem tem dois olhos é caolho
e extirpado como piolho
ou como pedra do sapato.
Mas quando a pedra crescer
e se transformar numa rocha
saberá ele dinamitá-la?

sábado, 13 de agosto de 2011

Fidelidade canina

Cinismo, segundo o Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa, quer dizer "irônico, sarcástico". Já segundo o Aurélio, quer dizer "1. impudência, descaramento. 2. Filos. Oposição radical e ativa às regras e convenções socioculturais". O Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa não diz claramente (o que me faz questionar a eficiência de sua função etimológica), mas cinismo vem do latim "cyno", derivado do grego "kyno", que significa cão. Mesmo se eu não tivesse uma cachorra, saberia que é impossível um cão se comportar dessa maneira como definem ambos os dicionários. Mesmo impudência não é possível, pois como os cães vão ser impudicos se desconhecem a noção de pudor? Acho que, se cinismo vem de cão, cínico deveria ser quem se comporta da maneira exatamente oposta àquela descrita na definição 2 do Aurélio. Pois o cão nunca se opõe. Mesmo que seu dono lhe aplique chutes e pontapés, o cão será fiel ao seu dono. Então cinismo não seria essa fidelidade canina? A capacidade de ser fiel a um sistema mesmo sabendo que ele é imundo e prejudica até o próprio cínico? Já vi essa palavra sendo utilizada também para definir aqueles que têm os sentidos embotados, que não reagem diante de uma ofensa grave. Talvez isso se explique pela fidelidade canina a quem os ofende. E não somos todos fieis a um sistema injusto, quando ficamos calados diante de tantas atrocidades e já não somos mais como um cão, que guia, mas como o gado, que é guiado?

Se somos todos cínicos, deveríamos latir e rosnar mais, ao invés de só abanar o rabo...

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Vamos queimar sutiã
na praça Barreto amanhã
às onze horas da manhã.
Vai até chover rã
E o prefeito dirá: "anrrrram,
vamos internar essas loucas no bosque
pra elas criarem esquilos
e quebrarem as nozes.",
Esquecendo-se de que noz não dá no Brasil
Ou ele vai nos dar um barril
dessas frutas-vozes,
fruto de um futuro infrutífero
Porque a utopia remete
a futuros remotos
sem carro e sem motos
sem sal e sem fotos
sem violência e cem pétalas
sem a mídia golpista e com arroto
que não será de bosta-cola
Mas de verduras estarão cheias as sacolas
e o ventre cheio de vento fedorento
Porque o que é corriqueiro
no ser humano
convém preservar
a não ser os
hábitos trambiqueiros
e os hálitos com mal cheiros
ao jeito dos bueiros
que só entopem
para desentorpecer
os torpedos anti-mísseis
que friccionam-se nas pólvoras amargas
para explodir faíscas
e estudar as leis da física
ensinadas pela professora tísica
que tinha alergia a tinta acrílica

domingo, 7 de agosto de 2011

Atenção, nicotina não é endorfina!

Se você quer sentir prazer, pratique esportes, coma um doce (que liberam endorfinas, ambos os comportamentos) ou pratique sexo (que além das endorfinas, ainda vem com um "bônus extra"), mas fique longe dos cigarros - eu sou fumante e sei do que estou falando! (Não é o corriqueiro "Faça o que eu falo, não faça o que eu faço", estou tentando me libertar desse vício porque, como diz Allen Carr: não se iluda, todo fumante quer ser um não-fumante!)

Já a nicota (apelido carinhoso pra nicotina, se é que esta "ordinária" merece "apelido carinhoso"), além de não nos dar nenhum prazer, apenas nos deixa estressados, ao contrário do que a maioria dos fumantes pensam. Não relaxa, só causa mais stress, porque você está sempre pensando no próximo cigarro, e não fica satisfeito enquanto não inala aquela fumaça tóxica, fedorenta e amarga. A sensação de "prazer" que o fumante acha que tem é uma ilusão, gerada pela dependência química.

Enfim, se você é fumante e, como eu, está desesperado(a) pra parar de fumar e sabe inglês, leia How to be a happy non-smoker, de Allen Carr. Sim, auto-ajuda, mas qual o problema de ler uma auto-ajuda uma vez ou outra?

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Quentão

E a gente percebe os vícios, e a gente percebe os erros, e a gente se acabrunha, e a gente se desalinha, e a gente perde a linha, e a gente morde a isca e é fisgado, morrendo pela boca pra não morrer afogado. A todo instante os poros estão de boca aberta, querendo engolir o ar e secretar o suor, e o néctar se espalha feito um espelho caudaloso que carrega os troncos das árvores pra muito longe, pra um futuro obeso de novidades, pra um gesto outro que não encontra, pra derramar faíscas foscas feito ferrugem, farfalhando folhas furadas. O litro é o metro líquido, e o vapor evola de repente, e o voo estanca a represa, e a represália suspende o efeito, e o rio dorme em seu leito, e o leite brota das tetas do inseto ovíparo como os bodes selvagens. Seladas estão as cartas encerradas nas gavetas do caixa-forte, e a sorte é que elas nunca serão lidas, senão minhas memórias seriam traídas como os cadáveres infrutíferos que são roídos célula a célula, encerrando em sua carne o azeite doce para deleite dos vermes gulosos e ávidos, vivos e esquálidos e dançando a quadrilha e gritando: "olha a chuva!", e soltando foguetes e comendo pipocas e bebendo quentão pra ajudar a empurrar goela abaixo aquela carne podre que eles devoram, porque senão ninguém aguenta, né?

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Patriarcalismo nojento

Eu tenho uns textos publicados no Recanto das Letras, com meu nome completo, e lá eu tinha uma seção só de poemas eróticos, que acabei tirando de lá. Pois eu acho muito triste ter que ter me submetido a esse tipo de censura. É muito triste não poder falar abertamente sobre certas coisas. É de uma tristeza profunda vivermos numa sociedade tão puritana, de uma tristeza que beira o mórbido. E várias pessoas já me chamaram de mórbida. Talvez seja exatamente por isso. Porque eu tenho que priorizar o instinto de tânatos em detrimento do de eros diante de uma sociedade neurótica na qual, por mais que o falo esteja simbolicamente colocado no pedestal de forma explícita, se a gente fala em falo, a gente está errada, a gente é vista como prostituta numa sociedade em que isso é "uó", sendo que esta talvez seja mais uma forma do homem reprimir a mulher, porque, numa sociedade em que tudo é vendido, em que só faltam nos vender o ar que respiramos, qual é o problema de se vender o corpo? Qual é o problema de cobrar pelo que falam que "damos" de graça, sem às vezes recebermos nada em troca, às vezes nem o mínimo prazer? E assim transformam em crime o que talvez seja uma forma legítima de emancipação da mulher. Se um homem vender cocaína, ele não descerá tão baixo no julgamento da sociedade, só porque ele é homem. Mas uma mulher que vende o corpo é vista como o "mal encarnado", o pior dos seres.

Eu nunca fiz sexo em troca de dinheiro, muito pelo contrário, quase todos os meus namorados eram pobres, eu nunca me relacionei com alguém buscando ascender socialmente através disso, como muitas mulheres fazem, e ainda assim são bem vistas - e essa também não é uma forma de se vender? Só porque fizeram uma cerimônia na igreja, não são prostitutas? Porque um ritual "purificou" o ato? Eu nunca fiz esse tipo de coisa, e ainda assim fui estigmatizada, porque falei de algo tão natural e tão inerente ao ser humano, algo que todos fazem, que, mesmo que não tenham feito, pensaram em fazer, porque isso é fisiológico e não adianta lutar contra algo que está enraizado nas nossas células, no nosso corpo, na nossa carne.

É muito triste ser castrada dessa forma. Sérgio Sant`Anna, em seus livros, descreve altas putarias, mas ele não é estigmatizado porque é homem. Mas as mulheres têm que escrever sobre florzinhas, se abrem um blogue pra falar abertamente sobre sexo não podem se identificar.

É quase como quando dizem que antigamente as mulheres não podiam gozar, e talvez ainda não possam, pois não podem falar sobre isso, não podem falar sobre seus corpos, sobre suas sensações, enfim, têm que calar a boca. E não dizem por aí que tem mulher que nunca sentiu orgasmo? Eu não duvido que isso seja verdade. É como já disse, cada vez mais percebo que tenho que falar o óbvio: as mulheres ainda são muito reprimidas, e ai daquelas que tentam questionar essa repressão, dar voz aos seus desejos ou fazer algo fora do que é estipulado para elas, que saem fora do seu quadrado desenhado com giz caucasiano: elas que permaneçam dentro dos limites que lhe foram impostos, e que não reclamem, e que também não gozem, porque, lembrem-se, esse é um privilégio masculino numa sociedade falocrata.
Hoje a poesia me salvou da fossa
assim como o xarope cura da tosse
e o passarinho faz pose
quando se diz:
"Olha o passarinho!"
Então ele se empluma
com suas melhores penas
e o fotógrafo tem pena
da sua vã vaidade:
"Melhor seria
que ele ajeitasse o bico
pra que na hora do flash
não saia muito reluzido."

domingo, 31 de julho de 2011

Revolta II

Gente, eu tenho que confessar algo terrível: eu quase virei comunicóloga... escapei por pouco! Cheguei a iniciar o primeiro período numa faculdade fuleira que apesar de tudo tinha um professor que se salvava pois vivia chamando a atenção de seus alunos (que alunos? estes simplesmente debandavam de suas aulas, iam pros botequins beber...) para os podres da comunicação. Ele até nos passou Debord pra ler... Grande Debord!

Quando eu ainda fazia o curso, encontrei um amigo que fazia psicologia e ele perguntou o que eu estava fazendo... disse que estava indecisa entre continuar o curso de comunicação ou fazer o de Serviço Social que eu havia trancado numa universidade pública (que infelizmente não concluí - outra confissão horrível!). E ele, como tinha bom senso, começou a esculachar a comunicação, dizendo que ela nem é uma ciência, só se apropria dos restos das outras áreas do saber para se transformar nessa coisa horrível - nesse Frankenstein!

Bem, antes de entrar nessa faculdade vagabunda para iniciar esse curso podre, eu já sabia que a comunicação é nojenta, mas acontece que eu achava que podia seguir um caminho alternativo, ou então que não haveria outra saída a não ser me vender - como mais cedo ou mais tarde todos acabam fazendo - mas que eu poderia aproveitar o fato de eu gostar de escrever para achar um caminho...

Pois bem, se, como bem disse o meu amigo, a comunicação nem é uma ciência, como é que alguém formado nesse lixo se julga no direito de julgar um blogue de esquerda dizendo que ele é ruim e ainda diz: "Eu sei porque sou da área". Que área? Que parâmetros ela utilizou para fazer o julgamento? Os parâmetros dessa grande mídia nojenta que há por aí?

Ah, confesso que estou revoltada, mas as pessoas não se dão conta que temos que sempre seguir o mesmo padrão - o padrão europeu, ocidental, branco, masculino, heterossexual etc etc etc

Ainda estou lendo o Crítica da imagem eurocêntrica e lá fala da mídia do "quarto mundo" (povos nativos de regiões colonizadas por europeus) e mostra como eles (os indígenas) ao desenvolverem essas mídias, invertem as relações de hierarquia tradicionais e tal... então, como assim um blogue de esquerda tem que seguir padrões estipulados em cursos de faculdade para formar profissionais para essa máquina nojenta que é a grande mídia?

Ah, vou ficar por aqui. Sei que falo mais pro vento que tudo, que estou "nos becos da web" e que raramente assumo uma posição radical, fico mais na minha poesia neutra apelando pra um surrealismo talvez infrutífero, mas tem dias em que me revolto mesmo com o nível de babaquice com que me deparo...

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Um dia, quem sabe?

Hoje eu queria pedir desculpas pela minha ignorância. Pedir desculpas talvez a mim mesma, pois as pessoas que deveriam ler isso provavelmente não o lerão. Pedir desculpas por, quando por ignorância do afeto, eu dei chutes ao invés de sorrir, ou, quando por ignorância de uma consciência crítica e política ou vítima de um nacionalismo tosco que rivaliza com países hermanos, chamei o espanhol de "língua feia". Pedir desculpas por quando eu era tão ignorante que não entendia a noção de "mapa". Sim, mapa. Não entendia como o espaço físico que ocupamos podia estar representado por aquelas linhas envolvendo pedaços coloridos de papel, talvez fosse difícil para mim porque o nosso mundo é em 3D e o mapa em 2D, e o Brasil nunca é rosa bebê ou amarelo pálido como aparece nos mapas. (Provavelmente eu não entendia a própria ideia de representação. É preciso respeitar a capacidade cognitiva de cada faixa etária também, e então eu era muito nova. É preciso nos perdoar por quando não tínhamos capacidade cognitiva suficiente para entender as coisas óbvias). Eu queria pedir desculpas a mim mesma porque não sabia viver (e talvez ainda não saiba) e pedir desculpas ao mundo por não saber que lugar ocupar nele.

Eu queria pedir desculpas e dizer que eu um dia talvez aprenda e apreenda, e que eu sou burra mesmo, meu "pensamento esbarra logo com a testa", sempre, mas, se for possível, eu vou descascando minha burrice junto com a pele, aos poucos, e talvez eu aprenda até que para isso não é preciso eu me esfolar na parede, já que a gente se descama mesmo, diariamente, naturalmente, na cama, na mesa e no banho, derramando células ao esfregar os dedos nas cédulas inevitáveis do dia-a-dia.

Cotas para negros: questão polêmica

A questão das cotas para negros em concursos públicos sempre suscita polêmicas. Ninguém questiona as cotas para deficientes físicos, porque todo mundo reconhece que estes estão em situação desfavorável. As pessoas dizem que os que defendem as cotas para negros são racistas, pois estão tratando-os como menos capazes de passar num concurso. Mas já vi um negro, numa palestra, falar em "racismo positivo" (positivo, não positivista, entenda-se bem). Eles são menos capazes, sim, não por questões biológicas, não por terem menos capacidade mental, mas por geralmente terem sido menos preparados. Fiz ensino fundamental numa escola particular, e na minha sala na sexta-série havia um menino negro, mas era um dentre quarenta brancos, e a minha sala era uma exceção, pois na maioria das salas não havia nenhum negro. Quando digo "negro", estou dizendo inquestionavelmente negro, pois questiona-se quem seria e quem não seria negro num país tão miscigenado, em que quase todo mundo tem um tataravô oriundo da senzala, mas é preciso ter bom senso. A pessoa pode agir de má-fé se quiser se declarar negra para obter uma vantagem apesar da cor de sua pele ser decisivamente branca, e talvez seja impossível confirmar se ela tem ou não sangue negro correndo em suas veias vindo de ancestral muito distante. Mas, vejamos bem, talvez cada pessoa enxergue a cor "vermelho" de uma forma, dizem até que as mulheres percebem mais matizes que os homens, mas, no geral, há um consenso, e a minoria da sociedade é daltônica. A pessoa, pela simples cor da pele, já passa por restrições, sim. Todo mundo comenta da hora dos pais escolherem uma criança para adotar, se tiver um bebê branquinho de olho azul no meio de dez crianças negras, o bebê branquinho vai ser disputado a tapa.

Já que eu já aprendi que, ainda mais em questões polêmicas, sempre é necessário dizer o óbvio, vamos lá: eu disse sobre os negros estarem em desvantagem em relação a brancos frente a concursos públicos. Citei o caso do meu colega e amigo negro, como representante de uma exceção. Todo mundo sabe que os negros foram trazidos de seu continente de origem, a África, para atuarem como escravos, em condições degradantes. Não interessa se eles já se escravizavam entre si na África, os romanos também escravizaram os gregos e ninguém se utiliza desse argumento para desfavorecer os descendentes de europeus, seja lá o que for "europeu" nesse caldeirão de raças que sempre foi a Europa [sim, a globalização não começou ontem. Não deve ser à toa que os italianos do sul são mais morenos que um nórdico, e o último a falar em pureza de raças foi Hitler. Mas os europeus, seja lá o que essa palavra signifique num mundo tão miscigenado, já foram o suficientemente embranquecidos, portanto sofrem menos discriminação - sim, estou falando da cor da pele, e não do sangue que corre nas veias. A questão é de cor, mesmo. Veja como o "preto" foi definido no Oxford English Dictionary no século XVI: "profundamente manchado de sujeira, gasto, empoeirado (...) aquele que tem propósitos obscuros, mortais, malignos; aquilo que se refere à morte, desastroso, sinistro (...) terrível, atroz, horrível, maléfico" (SHOHAT; STAM, 2006, p. 51) - e, apesar dessas definições serem do século XVI, não há nada de anacrônico aí: esses valores foram transmitidos de geração em geração e até hoje se perpetuam]. Enfim, como eu ia dizendo, os negros foram trazidos da África para atuarem como escravos, e após uma abolição mal feita ficaram marginalizados, pois muitos patrões ainda nem admitiam ter um funcionário negro, e, quando eles conseguiam trabalho, eram trabalhos desprestigiosos e mal remunerados. E a prole dessa gente está aí, ainda hoje, em sua maioria, quando frequenta a escola, é claro que é escola pública, que tem milhares de problemas não por ter professores mal qualificados, como muito se argumenta (eu fui professora de escola pública e constatei como meus colegas eram bons no que faziam). O principal problema das escolas públicas não é a má qualificação dos profissionais que atuam nela, e sim a falta desses profissionais. Muitas vezes falta um professor de determinada disciplina, às vezes durante um ano inteiro (ou mais) para determinada turma. E aí o processo educacional fica cheio de lacunas.

Então, esses estudantes de escolas públicas, é claro que ficam menos preparados para passar num vestibular para uma universidade federal, por exemplo, ou em qualquer concurso que seja. Por isso as cotas para estudantes de escolas públicas são menos polêmicas que as cotas para negros, mas, como disse a professora de Geografia da escola em que lecionei, os negros estão em desvantagem histórica muito grande. Daí o "racismo positivo" que o tal palestrante mencionou. Não vejo nada de absurdo nisso, e eu acho que quem é contra as cotas para negros é que são os verdadeiros racistas, pois não querem dividir a "fatia do bolo" de jeito nenhum...

É claro que a educação deveria ser toda pública também, não deveria existir escolas particulares, mas isso já daria um outro post, e mesmo assim acho que ainda existiria desvantagem para os negros, entendendo "negro" numa perspectiva de cor mesmo, e não "racial". Lembrando, a minoria da sociedade é daltônica, e é preciso não esquecer o bom senso. Nunca.

Fonte bibliográfica:

SHOHAT, Ella e Robert Stam. Crítica da imagem eurocêntrica. São Paulo: Cosac Naify, 2006.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Diário Banal da Fragmentação e Compartimentalização Humana

Fica decretado, por meio do presente ato, que, de ora em diante, em todas as salas de espera de todos os consultórios médicos do país e demais estabelecimentos em que haja um cômodo específico para se amontoar os que esperam, deverá ter uma televisão ligada.

- Em qual canal? Como assim em qual canal? Que pergunta estúpida! No único canal em que elas deveriam estar ligadas...

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Habeas Corpus

Um dia um policial me parou
na rua e me perguntou:
- Você comete crimes?
- Não, só cometo poemas.
E ele prendeu os meus braços
nas suas algemas.
E eu fiquei como uma ema
presa nos elos de anelos
levada para a delegacia
tendo ao vento os cabelos.
- Está presa por subversão.
- A minha versão é sobre.
- Sobre o quê?
- Sobre o pobre poder podre.
- Você está desacatando a minha autoridade.
- Você está atacando a minha dignidade.
- Você está perdendo seu tempo.
Foi quando apareceu um advogado
e me conseguiu um Habeas Corpus
e meu corpo se abriu
e dele surgiu uma alma
ferida.
Uma alma despida
Uma alma descida
Um espectro decrescente
E eu me despedi contente.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

eu queria dizer
que há sopa no cabelo
e que a corcova do camelo
foi remendada com durepox

o resto eu digo depois
quando as nuvens tingirem o céu
de brancos veludos e gastas gazes
e depois de passada essa fase

ameaço um soluço e tusso um isopor
e sopro um arroto incolor

como se injeta banha no osso
se é ingorduroso o almoço
e se os farelos do jantar nosso
não se desmigalharam da mesa?

a manhã tece um céu sedutor
e da chuva brota um bolor
que satura os líquidos depois
de amanhã não quero saber
da Terra
pois não quero saber
da guerra
pois o que mais ocorre
nessa irregular
esfera?

a maçã, a uva e a pera
foram visitar a salada
e morreram engolidas
para não morrerem queimadas
nas labaredas crepitantes
da fogueira de São João

E então?

o que ocorre e o que não?
quando você vai alugar o salão
para as festas profanas?
a professora Ana
e a tia Edilamar
me ensinaram
que rimar é pecado
pois unir os dois lados
das mesmas palavras
pode gerar
perigosas lavras

por isso eu tenho cuidado
pra não rimar demais
por que se rimo eu arrumo
muito problema
e a pobre ema
fica sem almoço
roendo os caroços
das frutas insossas
e as nuvens fogem dos céus
e chove um granizo raro
que embolora a grama
e amarela a couve
mas depois eu ouço
com muito cuidado
pros sons não escaparem
pelas frestas das portas
uma música satânica
pra purificar meus pecados
e tornar leve
os ares pesados
das grossas rotinas
e das aéreas cortinas
que vazam endorfinas pelos poros
e tenho muito cuidado
pra não rimar demais
porque se eu rimo, depois
é perigoso demais

eu sei que é proibido
escrever poemas
por isso eu rimo escondido
e varro as letras
pra debaixo do tapete
pra ninguém ver essa sujeira espessa
que borra o papel
e entorta as linhas
que enevoa o céu
e faz faltar a farinha
do pirão
porque é proibido
escrever poemas
então eu escrevo escondido
como se o crime
fosse perfeito

mas cada palavra
me enjaula
pois o crime é o próprio castigo
e o cárcere é o meu abrigo
inóspito
como um hospital caído
depois de rolar da ribanceira

depois da segunda
vem a terça-feira
e cada dia
é uma grade
da jaula
da semana inteira.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

...

Ando com saudades do mundo...
Ando com saudades do tempo em que minha casa era um abrigo
e que o cobertor protegia do frio.

Mas o teto solar está com defeito
e nunca mais fechou.
Assim, fico exposta às intempéries
e minha casca calcárea se foi
pois estou em plena ecdise
e meu corpo mole é um prato cheio para os predadores.

Eu não queria usar armadura
queria andar nua como os bons selvagens
sem nem mesmo um protetor solar
mas a gente precisa da redoma.

A árvore precisa da casca
o núcleo precisa da carioteca
senão ele se dispersa no
meio do citoplasma
e perde sua identidade, seu RG.
E depois tem que mandar fazer
segunda via
e dá um transtorno danado!

Esse poema é um enfado!
Pura púrpura porejando pedra.
Pura falta de bom senso.
Puro odor de incenso
impregnando a casa de fumaça.

Quem me dera ter uma barcaça
que me conduzisse a um redemoinho ninho
moedor de desalinhos
e realinhador de trilhos descarrilados.

Quem joga os dados?
Quem orienta o jogador
a jogar jogos tão estragados?

Quem mofa o bolor dos trapos
e quem dá bom dia aos cavalos?
E qual cavalo relincha o espasmo
da posta mesa de espuma?
Quem salpica a grama de orvalho
e dispõe as nuvens em gazes?
Quem flatula uma nuvem de gases
e toma remédio pros ossos
pra não fraturar a faringe?
Quem faz e quem finge?
Quais dos nossos são seus
e quais dos seus são nossos?

Eu vou fazer um estrondo
e desmanchar sais e roncos.
Da árvore o tronco
e da copa as folhas.
Dos galhos os mesmos
e dos cantos cansados
e dos olhos molhados
e das lágrimas caídas
e do rio salgado
e do leito no rosto
e das margens,
folhagens.

A primeira, a terceira,
a quarta margem
tornando o rosto enrugado com tantos sulcos
de tanto os olhos vazarem sucos
de tanto os loucos cucos
arrotarem as horas a todo instante
como se estivessem bêbados
e não conhecessem os parênteses.

Tempos passados, tempos presentes
tempos futuros e tempos ausentes.
Temos sementes de dentes
e presentes ausentes
como pentes sem dentes
e olhos sem lentes.
Portanto,
olhos nus
como o olho mais cru
que temos entre dois montes de banha
duas saliências que acolchoam o sentar
aparando as arestas setas
arredondando as retas.

Cuidado pra não derrapar na curva!
Olha a aquaplanagem!
Olha o rio de veias
Olha o baixo relevo.
Não me atrevo
a prosseguir viagem.
Me despeço como o vento
que espalha a friagem
e o pólen
e o pó
sobre as calçadas escarradas.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Hoje quebrei meu "jejum poético". Saiu isso:

Altar

As árvores continuam verdes
e o céu já não se borra todo de nuvens
e chora açúcares gordos como lágrimas
que nos picam miudinho e repetidamente
e a gastrite arde como lava incandescente
descendo morro abaixo enquanto se guia pelo mapa astral
desdobrado feito um pergaminho amarelo e muito gorduroso
que seca o azeite das mãos
e derrete feito gelatina ácida
que corroesse o esôfago
numa pirofagia em labaredas incendiadas
e cada chama que aquece
também arde na pele feito um câncer
que abrisse em pétalas convidativas
e absorvesse todo o resquício.
Mas já não sobram faíscas
e os farelos se lambem em minúsculas migalhas
que vão porejando do chão fértil como se tivesse sido adubado.
Agora quase nunca as janelas se abrem
e o Egito já pariu pirâmides demais
que tagarelam como patos roucos
e se esfolam nos piques-pegas
até de manhazinha.
Eu sou pequena como uma árvore
e o céu se desbota a cada manhã
ficando menos azul.
Mas as tulipas são necróticas
e as lápides foram ajeitadas feito toalhas de mesa caindo para os lados
e escorrendo nas pontas
de um lápis infinito
que escrevesse incessantemente
e se intumescesse todo
feito um bolor
a vapor.

Eu não queria,
eu não queria
ser um depositório de dor.

domingo, 12 de junho de 2011

Acho que finalmente aposentei meu "eu poeta". Faz tempo que não escrevo poemas. Mas vou publicar um que escrevi há certo tempo, talvez cerca de dois meses ou mais, já que parece que faz tanto tempo que não me dedico a essa causa.

Ciborgue

Liguei o celular na tomada
o mundo desceu pelo fio
e em um segundo eu visito
Curitiba, Florianópolis, Rio:
tecnologia na veia,
eu sou ciborgue.
E-mail, facebook, blogue
pra comunicar meu vazio:
dá até calafrio
esse mundo digital.
E lhe pergunto:
pra que genital?
A moda agora
é sexo virtual.

Na teia, mil imagens
poliícones de cristal
e os iconoclastas, como fazem,
pra quebrar esse vitral?
Dos corredores escuros da catedral
ao branco diáfano das dunas de sal
percorremos, impávidos
todos os pátios do mundo.
E lhe pergunto:
pra que avião?
Se viajamos,
sem tirar os pés do chão?

sábado, 21 de maio de 2011

Mínimo touro

Pequei no ninho
Má e / ou
dotar manha:
és paço.
Mim: músculo.
Ê, fêmea
em fim do
mesmeu.

Dá ré e doma
atrás, véu
da vítria lâmina:
Bíblia e loa
no Museu.

Do nó deu lã
e deu lá, birita.
Ré, salve o
cal:
colo de Teseu.

terça-feira, 17 de maio de 2011

A luz que, ainda como mínima faísca, pode alcançar o poço mais profundo

Eu queria não ser amarga
e me amar
mas o mar é imenso
e as flores chovem pétalas quando sacudidas intensamente
dispersando o orvalho que as cobria
como inúmeras picadas de ofídeas criaturas
e cada gota, do tamanho da cabeça de um alfinete
espeta a pele sensível que me recobre
e me deixa em carne viva.
E é tão triste ser carne.
E é tão triste estar viva.
No solo árido brota uma ferida
que sangra rios escarlates
e solta pedaços de carne moída
que foi moída para que se fizesse com a carne
o mesmo que já tinham feito com a alma,
que escorre em filetes pelo moedor
até agora
e de sua carne etérea
vai porejando uma água
turva como a dos rios poluídos
e os andrajos que me cobrem
já estão puídos.
E tudo o que eu ouso falar
não passa de ruído
roído por dentes afiados de uma ratasana enorme
que escapou do esgoto
para desgosto dos seres humanos
que são desumanos como caspa
e se esfolam nas paredes ásperas.
Abra as aspas,
que eu vou citar um crocodilo
para ciúmes
do rinoceronte.
Eu rastejo feito um réptil
num lodaçal de desgraças.
Mas, se eu tiver, como Dante,
uma Beatriz,
não como minha amante,
mas como magna guia infante,
quem sabe ela não me inspire a sair do Inferno?
De repente me subiu às vísceras cerebrais
um nojo do mundo inteiro
e de todo mundo que habita o mundo.

Ninguém é digno de ser bem tratado.
A humanidade já nasceu podre como um tumor fétido.

E eu odeio tudo e a todos.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

A arquiteta e o meteoro

Era uma vez uma arquiteta que se chamava Maíra Rocha Mattos. Ela vivia com as mãos todas coloridas por causa das canetas que utilizava em seu ofício. Coloridas e calejadas. Um dia Maíra encontrou uma pepita de ouro. Na verdade, era um meteoro de ouro, cujo maior diâmetro era 10,3 m e cujo arremesso contra a crosta terrestre provocou uma cratera de 27m de profundidade, bem no quintal da casa de Maíra, que contratou diversas escavadeiras para retirar a pepita, digo, meteoro, que era de ouro maciço exceto nas partes em que estavam incrustados diamantes: era um meteoro de ouro maciço crocante de diamantes. Maíra pagou as escavadeiras com a venda do meteoro à joalheria Stella H., conforme havia prometido. Porém, com a bufunfa que conseguiu ainda mandou construir o Alfa Dourado Shopping no quintal mesmo de sua casa. O projeto do Alfa Dourado Shopping conservou a cratera onde havia caído o meteorito para eventuais futuras pesquisas históricas da ocorrência de meteoritos crocantes. A cratera ficava no meio do Parque Meteorito Crocante, anexo ao Shopping. Mas Maíra não precisava mais de trabalhar, então não foi ela que projetou o Shopping, e sim seu colega Astaulfo Noymar, centenário reconhecido internacionalmente. Dizem que Noymar ganhou mais para construir o Shopping que para construir a lendária cidade de Pedra Plana, situada no coração de Planolândia e que viria a ser sua capital. Com o dinheiro arrecadado pelo aluguel das chiques lojas do Alfa Dourado Shopping, Maíra sustentou até o fim da vida uma luxuosa cobertura no Le Blão.

domingo, 8 de maio de 2011

O catecismo infeliz

"Nunca fomos catequizados, fizemos foi carnaval."

                                                                  (Oswald de Andrade)

Sempre discordei do Oswald (que, na verdade, talvez tenha sido justamente irônico). Sempre achei que fomos catequizados, sim - e infelizmente.

Mas será que é "infelizmente", mesmo?

Sempre considerei o fato de termos sido, sim, catequizados, "infeliz", por várias razões. Por exemplo, hoje temos uma legião de evangélicos fundamentalistas que pregam que é errado abortar. E porquê eles estariam errados? Porque seria certo abortar? É óbvio que concordo que em situações-limite, como estupro ou risco de vida da mãe ou do bebê, o aborto é interessante, embora algumas pessoas, como os kardecistas, sejam contra o aborto mesmo nesses casos.

O próprio Dawkins diz que a ciência não pode ter dogmas. Então pregar o aborto como não sendo um crime não seria um dogma? Talvez não possamos ter opiniões sempre prontas, como um Procusto que já tivesse uma fôrma prévia para encaixar as situações, e devamos ser sempre relativos. Ponderar sempre, em cada caso.

Mas também fomos catequizados "infelizmente" por cultivarmos culpas como as sexuais, o que talvez seja a origem de aberrações como a pedofilia. Independente de ser ou não a origem de aberrações (e provavelmente o é), não é legal sentirmos culpa por algo que é natural no ser humano e deveria ser a fonte de prazeres, estes sim, redentores frente a tantas adversidades em nossas vidas.

Poderia alencar inúmeras outras situações para definir como "infeliz" esse catecismo. O fato da religião ter uma atitude retrógrada perante a ciência, por exemplo. Mas não seria essa atitude retrógrada necessária para questionarmos certos valores éticos?

É como eu sempre digo, em relação a várias coisas: precisamos da tese e da antítese, para delas extrair a síntese...

O fim da menstruação e a misoginia

Algumas mulheres já optaram por não mais menstruar, mas acho que essa ideia de cessar a menstruação sempre partiu dos homens, a partir da concepção deles do que é "nojento" ou "anti-higiênico". Se eu disser a um travesti ou a um transexual: "Você tem a vantagem de ser mulher sem se menstruar", é capaz de ela me responder: "Mas eu queria menstruar porque isso é típico das mulheres, e eu queria ser inteiramente mulher".

Quando eu era adolescente, muitas vezes sentia orgulho por estar menstruada, porque isso me revelava uma mulher completa, e eu gostava de ser mulher. Claro que é incômodo sentir cólicas menstruais e a TPM pode induzir até ao assassinato, mas acho que tem como tratar esses sintomas, sem interromper a menstruação. É incômodo sentir cólicas menstruais, mas sinto cólicas menstruais porque sou mulher, e gosto de ser mulher.

Quando um homem prega o fim da menstruação, é como se estivesse me negando como mulher, revelando um caráter misógino. Eu nunca vi mulheres levantando a bandeira de que todos os homens deveriam fazer vasectomia, alegando para isso um argumento qualquer, como "O mundo está super populoso" ou "Existem milhares de mulheres por aí doidas para aplicar o 'golpe da barriga'."

Os homens deveriam tomar conta de seus testículos e nos deixar em paz com nossa menstruação, ao invés de ficar metendo o bedelho em nossas vidas, coagindo-nos a fazer o que eles consideram interessante que façamos!

Se eles têm nojo das mulheres, que casem com um homem e deixem as mulheres em perfeita harmonia com seu corpo de mulher, com todas as suas características inerentes porque, se é para ser mulher, quero o "pacote completo". Não tenho nada contra um homem que casa com outro homem porque tem nojo de mulher, mas que pelo menos eles não usem esse nojo para exercer uma tirania sobre nossos corpos!


domingo, 1 de maio de 2011

Desabafo

O que faz uma pessoa nos encaminhar um arquivo PPS? Esse tipo de arquivo, que as pessoas não cessam de encaminhar às nossas caixas de mensagem eletrônicas, já me fez mandar um e-mail desaforado a toda a minha lista de contatos, pedindo desesperadamente para as pessoas pararem de me encaminhar esse tipo (desagradável) de coisa. Confesso que não foi uma reação inteligente, mas foi desencadeada por arquivos que são geralmente igualmente pouco inteligentes! Não foi uma solução inteligente até porque não surtiu efeito, as pessoas continuaram a me enviar essas coisas grotescas descaradamente (algumas, as que mais me enviavam esse tipo de arquivo, nem sabiam o que era PPS!)

O que faz uma pessoa fragmentar um texto que considera "lindo" (geralmente auto-ajuda barata) e dispersá-lo em slides com fotos de paisagens ou bebês sorrindo ou animais ou desenhos de coelhinhos e enviá-lo a uma centena de pessoas? Será que essas pessoas nos julgam tão maus leitores como elas mesmas, que precisam desse tipo de estímulo com imagens para realizar uma leitura?

São essas mesmas pessoas que chamam o Lula de ignorante (julgam-se inteligentíssimas). O Brasil é mesmo uma nação de analfabetos! Somos vorazes leitores de PPS (e somente deles!).

O inacreditável é que existem pessoas que colecionam PPS!

O que mais dizer sobre isso que talvez seja a sigla de Porcaria Podre e Suja? Que as pessoas geralmente acrescentam a elas músicas bregas, e atribuem seus textos que tiram de trás do ouvido a Einstein, Charles Chaplin ou até mesmo à madre Teresa de Calcutá?

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Uma vida de perdas

A gente começa perdendo o útero. Depois, a gente nunca mais para de perder...

domingo, 24 de abril de 2011

Era quase possível que ela sobrevivesse, pois as hemorroidas estavam se proliferando secas contra a pele nauseada, e o calor se alastrava como se o verão fosse uma estação única que durasse o ano todo, única estação em que o trem parava quando não descarrilava no caminho, e os trilhos eram sempre tortos, por isso conduziam aos espasmos frenéticos dos ventos insalubres. A escassez da água desidratava as goelas ávidas e sedentas e a terra seca que antes tinha sido o leito dos rios esfarelava-se em poeira seca e áspera feito um sertão marejado por ostras e o ostracismo dos minerais que se escondiam nas cavernas resvalava a bernardos-eremitas, que já tinham abdicado das crostas calcáreas de seus ventres intumescidos com trovões esparsos de cubos de gelos calcáreos e nevoentos como espumas na banheira de mármore e pedra-sabão, que faz economizar sabonete e raspa o sebo dos corpos feito uma espora que picasse nossas ventas esfumejantes.
Estou surda, pois
não tenho escrito poemas.
E assim como vou comê-los
com creme de leite?

domingo, 17 de abril de 2011

O individualismo reina

Quando eu tiver 70 anos e for andar de ônibus, serei feliz. Pois os velhos, nos ônibus, são os únicos que conversam entre si, sendo desconhecidos.

Na "ala jovem" do ônibus reina o individualismo. Cada um com o seu phone no ouvido, ouvindo rádio ou MP3, através de celular, smartphone ou MP3 player, o que seja, ou vendo vídeos em seus MP4, IPod (se é que estes ainda existem!) ou smartphone, ou lendo livro ou jornal. Se não está fazendo nada disso e a pessoa ao lado também não (supondo que são desconhecidos entre si), nenhuma das duas partes puxa conversa - poderia ser sobre política, que deve ser discutida sim, é claro, se os dois ou mais interlocutores souberem conversar sem alterar o tom de voz nem querer impôr suas opiniões e se souberem ouvir a opinião do(s) outro(s) também, argumentando educadamente (esse tipo de conversa costuma ser super construtiva); poderia também ser sobre o último "pop star" que apareceu nos noticiários por ter cometido um crime bárbaro, o que costuma ser assunto da programação da TV por, no mínimo, uma semana; poderia ser sobre a quantidade absurda de pessoas que eles "socam" dentro de um ônibus (aliás, para se estabelecer qualquer comunicação, é preciso estar sendo transportado em condições dignas, de preferência se você tiver a sorte de ter conseguido sentar, ou, em pé, se não for em horário de pico. Caso contrário, talvez você nem consiga falar pois sua boca estará prensada contra as costas de um passageiro, única forma de conseguir se acomodar. Quem disse que "dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço", nunca andou de ônibus); enfim, se você tiver o privilégio de estar sendo transportado de maneira digna, poderia conversar sobre qualquer assunto que mostrasse que você reconhece que ao seu lado está uma pessoa como você, seja ela negra, mulher, gay - o que for.

Mas eu já notei que é assim aqui, em Vitória e Vila Velha - ES. No estado do Rio, onde eu morava antes, pessoas desconhecidas puxavam conversa comigo.

Em Vitória, as pessoas são exatamente o que é interessante para o capitalismo que elas sejam: individualistas. Não preste atenção às pessoas que dividem o mesmo ônibus que você, você é superior a todas elas, elas não merecem a sua atenção.

Isso é interessante para o capitalismo, afinal, pessoas, agindo assim, sentem-se sozinhas - claro! - e, angustiadas, consomem mais - também para mostrar aos outros aos quais elas são superiores que elas têm um smartphone (para se isolar cada vez mais). Aliás, pegando só a função de celular do smartphone, o celular nasceu para isso. Tem um amigo ao seu lado e você liga do celular para falar com outra pessoa, para mostrar ao seu "amigo" (entre aspas porque esse que ligou do celular não é amigo desse infeliz coisa nenhuma!) que ele está em segundo plano.

Pessoas, andando nas ruas, falando em seus celulares, querem mostrar aos  que estão ao seu redor que são importantes - ocupadas, requisitadas, populares - e, assim, essas pessoas ficam imersas numa bolha e não tem nenhuma relação de empatia por quem divide a rua com ela.

Por que pessoas desconhecidas, nas ruas, não se dizem "Bom dia!", "Boa tarde!"? Seria tão mais agradável caminhar nas ruas...

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Revolta

Depois a gente fala em "ditadura exercida pelos meios de comunicação" e as pessoas acham que a gente está inventando! Acaba de passar no Jornal Nacional notícia sobre a lei que os vereadores de Vila Velha aprovaram para proibir passageiros em pé nos ônibus, e a reportagem só mostrou pessoas falando contra a lei! Não é possível que a população seja contra ela mesma! Não é possível que um professor de uma universidade federal seja contra a população!

Não dirijo, ando de ônibus e conheço muito bem a condição de "sardinha enlatada" dos passageiros de ônibus. O professor da UFES entrevistado (sorte dele que não lembro seu nome!) perguntou quem vai pagar as contas... pois bem, moro em Vitória - ES, cidade vizinha de Vila Velha, e em Vitória a passagem de ônibus que só circula dentro da cidade é dois reais e vinte centavos. Um trabalhador que use o ônibus de segunda a sexta, para ir e voltar do trabalho, gera um lucro mensal de mais de 90 (noventa) reais. Multiplicando 90 (e estou arredondando para baixo) por 40 (quarenta) passageiros (também arredondando para baixo e considerando ônibus simples, e não geminado) dá 3.600 (três mil e seiscentos reais). Considerando que o motorista e o cobrador recebam 2 salários mínimos cada um (e não deve ser isso "tudo"), sobra muito mais de mil reais para gastar com o combustível necessário e manutenção do veículo e ainda deve gerar um bom lucro para a concessionária (imagina o ônibus geminado! Dentro do município de Vila Velha não circula ônibus geminado que faça só o circuito dentro da cidade, mas estou estendendo a questão para o transporte coletivo intermunicipal - metropolitano -, para não citar nomes, no qual a passagem custa dois reais e trinta centavos e, pela quantidade de pessoas que o utiliza, sempre deveria ser geminado! E a lei deveria ser nacional e não municipal! É um absurdo mesmo a quantidade de pessoas que são "socadas" - empaçocadas - dentro de um ônibus!)

Como vão diminuir a quantidade e a intensidade de engarrafamentos nas grandes (e até médias) cidades, se não se investe em transporte coletivo?

sábado, 9 de abril de 2011

O quarto poder

Inicio essa crônica com uma pergunta dirigida diretamente à nossa presidenta: Dilma, a senhora, que lutou contra uma ditadura, não quer lutar também contra a ditadura que os meios de comunicação exercem, não só no Brasil, como no mundo todo? Os meios de comunicação disseminadores de boatos que eles mesmos inventam - de acordo com os seus interesses - e propagadores de uma ideologia de vida que prega que "consumir é o que há"?

Não sei porque aquele alarde todo quando da campanha que elegeu Dilma - católicos, por exemplo, repassando e-mails que diziam que a Dilma iria transformar o Brasil num país comunista e perseguir as religiões -, a Dilma não tem mais nada da marxista que ela foi - e isso é ruim. Obviamente que não sou a favor de se perseguir as religiões, apesar de todos os males que elas causam. Mas deveria, no mínimo, ser proibido todo o fomento à homofobia que elas engendram.

Deveria ser igualmente proibido a exploração por parte de algumas igrejas, exploração de gente pobre, que às vezes doa dez por cento de seus escassos salários para que seus pastores ostentem o mais extravagante luxo.

Voltando ao assunto dos meios de comunicação, os gestores destes morrem de medo que se crie uma lei que os regule, e isso é necessário - e, provavelmente, com essa lei, os produtos oferecidos pelos meios de comunicação se tornarão menos lucrativos - daí o medo. E eles falam em censura para desviar o foco, mas há lei para regular tudo, por que não pode haver lei para regular isso também?

Mas os gestores dos meios de comunicação são os todo-poderosos e querem que assim continue. Eles, que vivem submetendo a sociedade às suas próprias regras, não podem ser eles mesmos submetidos a outras regras, talvez mais justas ou - se o conceito de "justiça" é questionável - menos selvagens.

quinta-feira, 24 de março de 2011

De como as baratas tomaram a Lua

Os poemas
transbordam
de imaginação
gordurosa,
saturada
e pegajosa
e deles
escorre
um óleo
que lambuza o ar
de éter
e, condensados
no cateter,
expelem bolhas
policromáticas
de onde são filtradas
os matizes
das tintas
das telas
cubistas.

Poetar
é grafitar
as pirâmides
do Egito
e soltar o grito
e soprar o apito
e abrir o peito
e pular um salto triplo
e esvaziar as tripas
e provocar o prefeito.
É estragar
tudo que é perfeito,
se é que o era
porque assim o
julgávamos.

Perfazer o caminho
e inventar novas rotas
feito um astronauta
que caminhasse pela via láctea
e tropeçasse num pó cósmico qualquer:
tinha um pó cósmico qualquer no meio do caminho
no meio do caminho tinha um pó cósmico qualquer
e, caído no meio da via,
seria atropelado por um cometa
cometendo o erro
de depois ser abduzido
por um buraco negro
(não que o buraco seja
descendente de africanos,
entenda-se bem.
ele era, na verdade,
descendente
de marcianos).

Mas o buraco não o quis,
o rejeitou
e o mandou pro espaço
num definitivo espasmo
e o astronauta
ficou
despaciado
despatriado
despedaçado
e em trapos
e saiu da via láctea
pra via sacra
e foi crucificado
por um bando de alfaiates
que disseram que
seus trapos
não caíam bem
(o corte dos trapos
estava
fora de moda).

E ele ressuscitou ao terceiro dia
e foi para o céu.
Mas o céu não o quis.
E ele rumou pro Inferno
e Lúcifer não o aceitou
então ele ficou num vácuo
mas o vácuo
não o quis.
Então ele reencarnou.
E sua mãe o abortou.

Então aquele feto morto
foi entubado num vidro
com éter
e exposto num laboratório
e lá ele ficou
pois nenhum necrotério
o aceitaria.
Então ele ficou
encerrado nesse
vidro que foi empoeirando
na estante
esquecido dos seres viventes
até que um dia
um pesquisador o encontrou
e o dissecou
e assim descobriu
um truque
que salvaria muitas vidas.
E ele foi canonizado como o
Santo Feto Esquecido nos Laboratórios.

E seu esqueleto
foi para um museu em Paris.
Mas o Vaticano o quis.
E a potência-mor, que apoiava o Vaticano
invadiu Paris.

E aí começou
a Terceira Guerra Mundial
e alguém resolveu lançar
a bomba H
e a raça humana acabou
e o planeta Terra
foi tomado pelas baratas,
que evoluíram
e tomaram também a Lua
e lá se multiplicaram tanto
que a Lua ficou negra.

Enquanto isso,
aqui na Terra,
uma barata arqueóloga
descobriu o crânio de um feto
e fez dele sua casa.

Outra barata
escreveu um livro sagrado
que dizia que um dia
a Terra fora
habitada por humanos.

Mas surgiu a facção
das baratas que não acreditavam em humanos.

Mas as baratas da
outra facção
(a que acreditava no livro sagrado)
inventaram
a grande máquina de eletrocutar baratas
e as baratas assassinas
começaram a se eletrocutar umas às outras
até que a última barata da Terra
se suicidou.

E a Terra ficou somente habitada
pelos vegetais.
E tudo ficou em paz.

Enquanto isso, na Lua,
as baratas,
grávidas de pensamento,
escreviam poemas.
E uma barata qualquer
escreveu sobre um astronauta
que tropeçava na via láctea...

... e o poema era tão
longo e tão chato
- quase uma epopeia -
que nenhuma outra barata
aguentava lê-lo.

terça-feira, 22 de março de 2011

Hélio

Baixa aqui, céu, na minha mão
feito nuvem em caldas
feito anjo em pó
feito uma unha tão mal-feita
que dá dó
feito a estrela que caiu na esquina
e, se não se descem as cortinas,
invade os apartamentos
com sua luz e calor
feito uma bola de fogo
que estivesse suspensa no céu
e em torno da qual girássemos
desde os tempos jurássicos.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Teto

A tela tecida
com nós e cadarços
é a rede vazia
do anjo em andrajos.

Deus está nu
e o Rei tem trapos
que tapam o cu.

Se a veste é dourada
e a íris rosada:
a rosa-dos-ventos
numa lufada.

O lúpus que luta
com a pele mofada
é pérola descamando
da lepra encarnada.

E cada lótus
retrai-se em fatos
molhando as vestes
dos distraídos.

A roupa que cobre a pele
é véu que desvelamos
a quem nos revelamos
e amando
nos cobrimos
de corpos.

Cai um copo
e os cacos se espatifam
em doces rasgos
de vitrais quebrando:

a rosa-dos-ventos
desfolhada pela rajada
caiu no cimento
onde foi pisoteada
pelos pés descalços
dos andarilhos.

A vida do trilho
se descarrila
o anjo em andrajos
se descabela:
o mel na panela
é feito um suco
e o musgo da janela
floresce nos sulcos.

O sumo é ácido.
O véu, ventila.
O vento, farinha.

Faz casinha
que eu vou acender
um fósforo:
não venta aqui
vai lá pro Bósforo.

E a rosa ventou
essa canção.

Se faz sol,
eu abro o guarda-chuva
pra regar as ideias.

Se faz mel,
eu te chamo de abelha
e te faço colmeia.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Pó ético

Rói minhas vísceras
um verme chamado vazio.
O inverno dói em cada galho seco
fazendo a ovelha tremer de frio.

O deus grego,
sonâmbulo como todos os deuses,
venera o humano africano,
ruminando sua zombaria
entredentes
E o capeta,
com seu tridente,
espeta as nádegas rechonchudas
de um  anjo barroco
esculpido em carne
e escarrado em gesso
soprando um gás etéreo e
explodindo em hélio
feito uma bomba
bochechuda e convexa
do espelho retroflexo.

Da janela jorra feixes
freneticamente
feito uma ampulheta de luz
que escorresse ávida.

A santa copula grávida
para parir um
feto concreto
e limpar os excrementos
dos gélidos abismos.

O abalo sísmico
embala a bala de iogurte
e deixa os tijolos moles
fazendo desmoronar
cada etapa de cal:
a ala gótica
a igreja eclética
a freira esquelética
e tudo é pó.

quarta-feira, 9 de março de 2011

As cordas do coração

Eu tenho uma relação de amor e ódio com o mundo e com todo mundo que vive no mundo. Eu sempre acabo machucando as pessoas de quem eu gosto muito. Como se a agressão fosse uma prova da minha afeição. E com o mundo e a vida, além do amor e do ódio, tem o tédio existencial. E uma náusea que vai desde o dedão do pé até as pontas dos fios do meu cabelo. É muito difícil ser intensa e visceral. Num segundo eu posso estragar tudo. Estragar uma relação para sempre. Se a gente pudesse dar corda pra trás no relógio da vida... mas eu quase sinto que faria do mesmo jeito. Do mesmo jeito estragado. Como se a vida fosse um bolo embolorado que temos diante de nós na mesa e somos obrigados a digerir, diante de todos os comensais, e não podemos nem fazer cara feia e temos que fingir que é gostoso. As cordas do coração estão bambas depois de se distenderem até o último nível de tensão. O elástico é um fio inerte depois de dele ter sido extraído a música estridente e dissonante.

sábado, 5 de março de 2011

Tum-tum-tumba

Lá fora a rua está em flocos
Só eu não estou em bloco
Até a gelatina se dispersou em cubos contíguos
E para não dizer que não tenho amigos
te estendo a mão:
e dou com a cara no chão.

O suor de todas as peles
forma uma superfície única.
A sandália está gasta
e a multidão se arrasta
obedecendo ao compasso

E a fricção é nula
A rua aberta é a jaula
e ninguém quer lembrar
que depois da folia tem aula.

O arlequim salta e pula.
A bailarina se anula.
O mequetrefe faz firula.
A purpurina tatua

a tua e a minha pele
a pele do mundo
e o chão

A serpentina escorre em caldos
e escuta o ritmo:
cada metro de samba
é para esquecer
que tudo se acaba em tumba.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Sem-terra

                                                                       a David Cunha

Eu sei que a "Rosa onírica" e o "Vitral lúdico" precisavam de uns retoques, alguns, poucos retoques, mas, só os títulos, já são tão poéticos, que por si só despertaram a minha admiração... mas os textos também são bons... muito bons, por sinal...

Talvez você nunca me perdoe, eu não sei exatamente do que, talvez tenha relação com eu ter tomado aversão a vídeos... por isso eu não vi o vídeo da Natália, mas eu queria ter visto, afinal, eu a admiro muito enquanto atriz. Se eu tivesse uma segunda chance... (de ver o vídeo da Natália, obviamente, pois de ter a sua amizade seria a terceira).

Mas você ou me despreza, ou eu sou objeto do seu escárnio, ou você não me perdoa por eu não devotar mais exclusividade a você num determinado aspecto virtual.

Então eu me afasto, me retiro da sua vida, sem limpar os pés no tapete da porta de entrada (ou de saída) para que você não tenha que lidar com a minha sujeira... Eu sei, a distância, é tão difícil... Mas é mais difícil para mim, que já não tenho mais terra natal, pois quando vou aí também sou estranha... já não sou dessa terra, não sou de terra alguma, sou desterrada, sem-terra.

Mas aprendi a me resignar. Estou resignada por não poder ver você atuando, por não ter a sua amizade e por ser sem-terra, desterrada, soterrada.

E não se preocupe. As minhas cartas são sempre cartas de suicida, mas eu já não afundo mais a navalha no pescoço... Aprendi a empurrar a vida com a barriga, e a enfrentar todas as vísceras da vida... em cada víscera, em cada pétala da víscera, em cada pele descamando da víscera.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Nasce um fungo
que acha que é girassol.
Ou então:
Nasce um girassol
e ele já nasce embolorado e cagado.
Mas quem nasce fungo nunca vai ser girassol!

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Revolução elegante


Li no blogue Mingau de aço (que aliás é um blogue que gosto muito), seu autor falando sobre "nojinho de pobre", e criticando quem milita na web mas fecha o vidro do carro depressa quando vê um pedinte.

A hipocrisia é mesmo repudiável, mas é muito mais cômodo dar 50 centavos, 2 reais, 5 reais que seja a um mendigo do que verdadeiramente lutar pela igualdade. Esmola não resolve o problema de ninguém, nem de quem a recebe (ou melhor, só resolve a consciência de quem a está dando). Serve, no máximo (além do que fica dito no parêntese anterior), para matar a fome por algumas horas, mas não resolve a situação social do pedinte e muito menos a do restante da sociedade!

De toda forma, penso que o blogueiro do Mingau de aço está cansado de saber que esmola só "abafa o caso" e quem a pratica pelo polo ativo ainda fica se achando um benfeitor da humanidade, e chega a encostar na mão do mendigo ao entregar as moedas só para dizer (enganando a si mesmo) que não tem nojo de pobre.

Verdadeira revolução faz é um Marcos Bagno da vida, ao escrever A língua de Eulália, por exemplo, ousando falar contra a discriminação dos falantes de português não-padrão. Bagno toca, com elegância, num problema que está enraizado no cotidiano de todos os brasileiros. Quem nunca debochou de alguém que fala "probrema", por exemplo? Bagno nos mostra que trocar o L pelo R é uma tendência natural na língua portuguesa. "Escravo" veio do latim "sclavu", por exemplo, e ninguém ri de quem fala ou escreve "escravo", porque nessa e em outras palavras - como "praia", que veio de "plaga" - a transformação se oficializou. Bagno também mostra que Camões, tido como o pai da língua portuguesa, escreveu "frauta", "frechas", "Ingrês" e "pranta".

Através desse fenômeno (chamado "rotacismo") e de outros, Bagno nos mostra que o português não-padrão tem "uma clara lógica linguística" e "regras que são coerentemente obedecidas", e que seus falantes não são mentalmente inferiores, como pensam muitos, e que essa variedade do português, o português não-padrão (ou PNP, como o chama Bagno) não é errada, nem pobre de recursos: ao contrário, é eficiente.

O português padrão (PP) deve ser ensinado, sim, mas para que ele seja acessível a todos, não podemos continuar causando complexo de inferioridade em quem fala o PNP, atitude que com certeza é uma grande responsável pela evasão escolar.

Marcos Bagno, em A língua de Eulália, utiliza de linguagem extremamente acessível, disponibilizando para qualquer um, mesmo para quem nunca estudou Linguística, conhecimentos que conscientizam, alargando a mente dos leitores ao libertá-los de seus preconceitos.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Redoma

Há amores que estamos proibidos de degustar, e só podemos apreciá-los com eles devidamente protegidos por suas redomas de vidro. Então nós colamos o nosso rosto desesperado no vidro e nos descabelamos por ser inatingível aquele que amamos.

(O vidro da redoma não é vitrine, pois quem está dentro dela não é mercadoria).

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

O que fazer?

As palavras, você as domina, na terra delas você é Rei, e as doma e as dobra e as forja e as cinge, e no entanto você me deu poucas delas. As palavras, que me fogem aos borbotões, que me escapam e que me faltam, e que na minha boca são esparsas e ineptas. Com quais palavras não sei dizer-lhe que você tem que me dar mais delas, nem que seja para me dizer que, se mataram Deus, o que fazermos quando estamos a sós diante de nós mesmos no desespero silencioso da madrugada insone, quando nenhum livro é consolo e estamos nus diante do espelho cruel da autoconsciência flageladora, e somos nossos próprios juízes e a sentença é desoladora, nos mostra que falhamos e falhamos e não merecemos nem o próprio perdão, o que fazer, meu Deus, mas não há Deus e não há anjos e não há colo, não há chão e, se ligamos a televisão, ela aumenta o fosso que nos distancia de nós mesmos, e não há pontes entre as ilhas, somos um arquipélago desmembrado e não podemos ligar para ninguém para comunicar o nosso desespero, porque não queremos ser desagradáveis e acordar alguém e tirar-lhes o que sabemos que é tão precioso porque nos falta (e as pessoas dizem: "pode me ligar", e você, sentindo que vai incomodar, liga assim mesmo e atende uma voz bêbada de sono, que não entende nosso grito mudo), e se ligamos para o SOS vida nossa voz falha e nos sentimos tão fracos que não conseguimos comunicar nossa fraqueza, o que fazer, me diga, o que fazer? A impotência é tanta e circula onipresente em cada milímetro de veia, a impotência e o desespero, e não dá pra apagar a consciência com a voz suave do sono, que nos falta e seria tão consolador, mas que é tão impossível. O que fazer com o desespero intenso da madrugada insone e inerte, e as palavras já me faltam e as repito, por que tenho que dizer algo, tenho que lhe perguntar e você nunca responde, tenho sede e você nunca me sacia. O que fazer?

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Criptografia

Deu tchuthcu na minha impressora
Ela deu para comer as letras
e vomitar símbolos estranhos
Talvez seja algum alfabeto alienígena
Talvez minha impressora tenha sido abduzida
Ou sido seduzida por algum aparelho
de tecnologia extra-terrestre
ou vai ver ela se amarra
em arte rupestre
só sei que não consigo decifrar
seus estranhos símbolos
Talvez ela esteja tentando
estabelecer contato
utilizando uma língua própria.
Vou comprar um impressoro
pra ela
ela vai ficar impressionada
quem sabe se acasalem?
Posso vender os filhotes
e abrir uma firma forte
no ramo
Acho que vou dar à minha mascote
o apelido carinhoso de Pressora
é que ela anda me fazendo
muita pressão
com esse seu novo tique-nervoso
que deve ser só um chilique!
Talvez ela esteja de tensão-pré-menstrual...
Eu já recarreguei os cartuchos
dei colo
e nada adianta
mas como vou lhe dar remédio pra cólica
se ela não tem garganta?

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

HIATO

                                                                   (para ZMC)

HI pra cá
ATO pra lá
e entre eles uma distância perpétua, infinita
como se estivessem separados
por sentença definitiva
tornando a situação aflitiva
e intrivial:
inanal
inoral
invaginal
e a dobra do hiato
é feito uma invaginação do intestino
testando sua mais habitual absorção
Absorvendo os nutrientes
e deixando o bagaço
que vamos expelir

O hiato é duplo
como um intestino bivial
que absorve e rejeita:
seleção natural

O hiato é difiícil de engolir
o t agarra na garganta
e fica pendurado na glote
causando ânsia de vômito

O hiato é feito um pato
tem bico e penas e
patas com nadadeiras
e bota ovos

o ovo do hiato é a letra o
e se chama hiatovo

o hiatovo na massa do bolo não dá liga
pois a massa fica cheia de hiatos
(e o bolo dá dor de barriga)

O hiato é um cara muito chato:
bota ovo que não dá liga,
parece um pato
e fica separando eu de você,
adiando os fatos.

sábado, 22 de janeiro de 2011

No meio do caminho

No meio do caminho tinha um embrião 
tinha um embrião no meio do caminho 
tinha um embrião 
no meio do caminho tinha um embrião. 

Nunca me esquecerei desse acontecimento 
na vida de minhas retinas tão fatigadas. 
Nunca me esquecerei que no meio do caminho 
tinha um embrião 
tinha um embrião no meio do caminho 
no meio do caminho tinha um embrião.