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sábado, 19 de fevereiro de 2011

Revolução elegante


Li no blogue Mingau de aço (que aliás é um blogue que gosto muito), seu autor falando sobre "nojinho de pobre", e criticando quem milita na web mas fecha o vidro do carro depressa quando vê um pedinte.

A hipocrisia é mesmo repudiável, mas é muito mais cômodo dar 50 centavos, 2 reais, 5 reais que seja a um mendigo do que verdadeiramente lutar pela igualdade. Esmola não resolve o problema de ninguém, nem de quem a recebe (ou melhor, só resolve a consciência de quem a está dando). Serve, no máximo (além do que fica dito no parêntese anterior), para matar a fome por algumas horas, mas não resolve a situação social do pedinte e muito menos a do restante da sociedade!

De toda forma, penso que o blogueiro do Mingau de aço está cansado de saber que esmola só "abafa o caso" e quem a pratica pelo polo ativo ainda fica se achando um benfeitor da humanidade, e chega a encostar na mão do mendigo ao entregar as moedas só para dizer (enganando a si mesmo) que não tem nojo de pobre.

Verdadeira revolução faz é um Marcos Bagno da vida, ao escrever A língua de Eulália, por exemplo, ousando falar contra a discriminação dos falantes de português não-padrão. Bagno toca, com elegância, num problema que está enraizado no cotidiano de todos os brasileiros. Quem nunca debochou de alguém que fala "probrema", por exemplo? Bagno nos mostra que trocar o L pelo R é uma tendência natural na língua portuguesa. "Escravo" veio do latim "sclavu", por exemplo, e ninguém ri de quem fala ou escreve "escravo", porque nessa e em outras palavras - como "praia", que veio de "plaga" - a transformação se oficializou. Bagno também mostra que Camões, tido como o pai da língua portuguesa, escreveu "frauta", "frechas", "Ingrês" e "pranta".

Através desse fenômeno (chamado "rotacismo") e de outros, Bagno nos mostra que o português não-padrão tem "uma clara lógica linguística" e "regras que são coerentemente obedecidas", e que seus falantes não são mentalmente inferiores, como pensam muitos, e que essa variedade do português, o português não-padrão (ou PNP, como o chama Bagno) não é errada, nem pobre de recursos: ao contrário, é eficiente.

O português padrão (PP) deve ser ensinado, sim, mas para que ele seja acessível a todos, não podemos continuar causando complexo de inferioridade em quem fala o PNP, atitude que com certeza é uma grande responsável pela evasão escolar.

Marcos Bagno, em A língua de Eulália, utiliza de linguagem extremamente acessível, disponibilizando para qualquer um, mesmo para quem nunca estudou Linguística, conhecimentos que conscientizam, alargando a mente dos leitores ao libertá-los de seus preconceitos.

3 comentários:

Natasha disse...

Passei por aqui, bjs

Luis Eustáquio Soares disse...

belo texto, de visceral universo, helena.

tem o seu jeito, leve, suave, aberto a variáveis múltiplas, livre.

beijos
luis

Luciano Baptista Domingos disse...

Esse preconceito linguístico que certamente não deva ser exclusividade do povo tupiniquim, mas que aqui onde há uma desigualdade entre as classes incomparável, só vem a confirmar essa consciencia ilusória que prende um grupo elitista de viver no nível da "moral". Se Kierkegaard fala superação do estágio da moral per o da religião, Bagno entra com a superação pela lingua livre, língua comunicativa.

Belo texto, Helena. Bagno ´daria uma reflexão e tanta