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segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Pré-leitura de Deus, um delírio



Andei lendo a contracapa e as orelhas de Deus, um delírio, de Richard Dawkins, e daí escrevi:

Os seres humanos escrevem um monte de "bobagens" e atribuem o que escrevem a Deus. A Bíblia e o Corão são obras humanas, Deus não tem nada a ver com elas, elas que muitas vezes justificam atrocidades que se cometem por aí. Essas obras talvez possam ser apreciadas como Literatura ou servir de material de pesquisa para um antropólogo, por serem registros de certas culturas. E são mitológicas, aí também tendo importância para um antropólogo. Como mito. E como, no caso da Bíblia, registro histórico em outras passagens (A Gênese sem dúvida é um mito, e, como tal, até passível de ser admirado, assim como admiramos os feitos dos deuses gregos. Que eu saiba a Bíblia não é aceita como documento, mas ela talvez contenha os únicos relatos de um certo passado remoto dos semitas - a condição dos relatos serem confiáveis ou não, não se restringe à Bíblia, pois, como disse Roland Barthes, "o real não é representável". Daí que um relato nunca é totalmente confiável). Mas a Bíblia e o Corão não podem ser impostos como "verdade absoluta", ou "Palavra de Deus".

Não acredito em Deus como um velhinho de barba branca, mas há uma força superior, sim. E os ateus podem não acreditar em Deus, mas eu acredito que Deus acredita nos ateus e até mesmo prefere um ateu convicto que corre atrás de seus sonhos a um crente patético e covarde. Não que todos os crentes sejam patéticos e covardes, entenda-se bem.

O livro de Dawkins parece fabuloso (na acepção de "admirável", "grandioso"), mas provavelmente não o lerei agora (tenho um bocado de leituras para fazer), embora ele esteja me tentando como se fosse o fruto proibido da árvore da ciência do bem e do mal. Mas Dawkins assume o seguinte: "Se este livro funcionar do modo como espero, os leitores religiosos que o abrirem serão ateus quando o terminarem". Portanto, voltarei aqui para dar meu parecer posterior.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

O apelo da lepra ao pé-da-letra

Está sentindo um cheiro de mofo no ar?

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Troféu

À noite toda a natureza dorme
mas alguns relógios biológicos são descosturados e descompassados e desmiolados
e suas cordas rangem e se rasgam se desgarram e se agarram
numa boemia desenfreada.
Assim as corujas e os morcegos
e os poetas-morcegos
que não descansam
quando está escuro
e têm no dia ensolarado um túmulo,
um ninho sombrio:
sem brio.

Suas sobrancelhas
são
caminhos sorumbáticos.
São
brânqueas brancas
e
básculas
bastante
bestas.

Basta de bostas pretas
e bifes bem passados.
Que o bife posto à mesa
não nega seu passado com chifres -
feito uma dupla coroa córnea -
e o capim caiado caeiro calcário caiano

ingerido ruminado
em seus 4 estômagos
como se ele - o boi - divagasse sobre os dilemas bovinos
relatados
por um boi letrado:
Malhado de Avis
e mascasse uma
anis
que iluminasse
seus 4 estômagos
e os transformasse
em 4 sóis
de uma galáxia láctea
feito sua fêmea
como uma bebida
sempre morna
e tépida:
telhas
de estômagos
de bezerros
e de humanos-bezerros
feito um especismo
que tiranizasse os bois alheios
numa ditadura
de reprodução desenfreada
e controlada
para explorar
sua carne
seu couro
e os criar
em cativeiros
e colocar máquinas sanguessugando eternamente o leite de suas fêmeas:
ditadura mórbida.

Feito como se
o Homem
fosse o
Rei
e dissesse que o
Leão o é
(para disfarçar sua tirania).

Feito como se
Derrida já não
tivesse dito
isso tudo
antes.

Feito um
antes
eternamente antes
que se metamorfoseasse em depois.

E não há esperança:

o ser humano é
despótico

e assim será
até o último
dia de vida na
terra.

Não é
conformismo
nem pessimismo
nem resignação consternada.

É a nitidez
da realidade
que se impõe
feito um troféu
ao predador-mor
construído e
concedido
pelo próprio predador-mor

nessa narcísica
automasturbação do ego
de um ser que não passa de um tubo digestivo incrementado.

domingo, 15 de agosto de 2010

Meu inconsciente está a um passo a frente de mim
mas as pistas que ele fornece são escorregadias
e ele as oferece com uma mão para tomar com a outra -
ele que talvez tenha inúmeros tentáculos como um pluripolvo -
desvelando para logo
após velar
trancando
a verdade
num baú e o
jogando no fundo do mar.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Ração

a minha alma era uma lente que distorcia as imagens.
antes as cores podiam ser mais intensas.
agora são mais exatas.

agora a vida é insípida
- sem as cores das emoções.
agora que o grau está ajustado
tudo é tão nítido quanto tedioso.
e a vida escorre com suas horas anódinas.

nenhuma surpresa me espera.
nenhum grande futuro embalado em papel de presente.
só o passado perpassado desdobrando-se sem grandes novidades.
só uma grande ausência.
só.

só o passado repetindo-se sem o deslumbramento da infância
e a promessa da adolescência.
só essa vida crua e sem tempero
que somos obrigados a digerir.

a saliva é o único condimento.

meu cérebro já não se sacia com a endorfina.
o glacê é só purpurina:
brilha mas não adoça.
brilha de um brilho baço
e opaco
como o das pérolas
verdadeiras.

porque a verdade não tem nenhum brilho:
é crua e lisa.
se áspera fosse
traria alguma emoção.
mas é lisa
feito uma cara sem expressão
de um cão sempre a esperar seu osso
e recebendo no seu lugar sua ração
insossa de todos os dias

de todos os dias sem sal
desse eterno dia que se desenrola
feito um presente único
sem passado nem futuro
sem horas a escorrer
dos ponteiros
dos relógios moles
amolecidos pelo tédio diário
de apontar as horas falsas
de instantes transformados em algarismos
feito uma eterna conveção
inútil
como todas as convenções.
inútil
como a civilização
greco-romana.

(se asteca fosse
talvez fosse
a mesma
meleca!
A mesma bosta
o mesmo catarro
eterno
a brotar das narinas
até que elas ardam!)

inútil
como a
existência humana.

eterno tédio.