NOS BECOS DA WEB...

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Nasce um fungo
que acha que é girassol.
Ou então:
Nasce um girassol
e ele já nasce embolorado e cagado.
Mas quem nasce fungo nunca vai ser girassol!

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Revolução elegante


Li no blogue Mingau de aço (que aliás é um blogue que gosto muito), seu autor falando sobre "nojinho de pobre", e criticando quem milita na web mas fecha o vidro do carro depressa quando vê um pedinte.

A hipocrisia é mesmo repudiável, mas é muito mais cômodo dar 50 centavos, 2 reais, 5 reais que seja a um mendigo do que verdadeiramente lutar pela igualdade. Esmola não resolve o problema de ninguém, nem de quem a recebe (ou melhor, só resolve a consciência de quem a está dando). Serve, no máximo (além do que fica dito no parêntese anterior), para matar a fome por algumas horas, mas não resolve a situação social do pedinte e muito menos a do restante da sociedade!

De toda forma, penso que o blogueiro do Mingau de aço está cansado de saber que esmola só "abafa o caso" e quem a pratica pelo polo ativo ainda fica se achando um benfeitor da humanidade, e chega a encostar na mão do mendigo ao entregar as moedas só para dizer (enganando a si mesmo) que não tem nojo de pobre.

Verdadeira revolução faz é um Marcos Bagno da vida, ao escrever A língua de Eulália, por exemplo, ousando falar contra a discriminação dos falantes de português não-padrão. Bagno toca, com elegância, num problema que está enraizado no cotidiano de todos os brasileiros. Quem nunca debochou de alguém que fala "probrema", por exemplo? Bagno nos mostra que trocar o L pelo R é uma tendência natural na língua portuguesa. "Escravo" veio do latim "sclavu", por exemplo, e ninguém ri de quem fala ou escreve "escravo", porque nessa e em outras palavras - como "praia", que veio de "plaga" - a transformação se oficializou. Bagno também mostra que Camões, tido como o pai da língua portuguesa, escreveu "frauta", "frechas", "Ingrês" e "pranta".

Através desse fenômeno (chamado "rotacismo") e de outros, Bagno nos mostra que o português não-padrão tem "uma clara lógica linguística" e "regras que são coerentemente obedecidas", e que seus falantes não são mentalmente inferiores, como pensam muitos, e que essa variedade do português, o português não-padrão (ou PNP, como o chama Bagno) não é errada, nem pobre de recursos: ao contrário, é eficiente.

O português padrão (PP) deve ser ensinado, sim, mas para que ele seja acessível a todos, não podemos continuar causando complexo de inferioridade em quem fala o PNP, atitude que com certeza é uma grande responsável pela evasão escolar.

Marcos Bagno, em A língua de Eulália, utiliza de linguagem extremamente acessível, disponibilizando para qualquer um, mesmo para quem nunca estudou Linguística, conhecimentos que conscientizam, alargando a mente dos leitores ao libertá-los de seus preconceitos.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Redoma

Há amores que estamos proibidos de degustar, e só podemos apreciá-los com eles devidamente protegidos por suas redomas de vidro. Então nós colamos o nosso rosto desesperado no vidro e nos descabelamos por ser inatingível aquele que amamos.

(O vidro da redoma não é vitrine, pois quem está dentro dela não é mercadoria).

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

O que fazer?

As palavras, você as domina, na terra delas você é Rei, e as doma e as dobra e as forja e as cinge, e no entanto você me deu poucas delas. As palavras, que me fogem aos borbotões, que me escapam e que me faltam, e que na minha boca são esparsas e ineptas. Com quais palavras não sei dizer-lhe que você tem que me dar mais delas, nem que seja para me dizer que, se mataram Deus, o que fazermos quando estamos a sós diante de nós mesmos no desespero silencioso da madrugada insone, quando nenhum livro é consolo e estamos nus diante do espelho cruel da autoconsciência flageladora, e somos nossos próprios juízes e a sentença é desoladora, nos mostra que falhamos e falhamos e não merecemos nem o próprio perdão, o que fazer, meu Deus, mas não há Deus e não há anjos e não há colo, não há chão e, se ligamos a televisão, ela aumenta o fosso que nos distancia de nós mesmos, e não há pontes entre as ilhas, somos um arquipélago desmembrado e não podemos ligar para ninguém para comunicar o nosso desespero, porque não queremos ser desagradáveis e acordar alguém e tirar-lhes o que sabemos que é tão precioso porque nos falta (e as pessoas dizem: "pode me ligar", e você, sentindo que vai incomodar, liga assim mesmo e atende uma voz bêbada de sono, que não entende nosso grito mudo), e se ligamos para o SOS vida nossa voz falha e nos sentimos tão fracos que não conseguimos comunicar nossa fraqueza, o que fazer, me diga, o que fazer? A impotência é tanta e circula onipresente em cada milímetro de veia, a impotência e o desespero, e não dá pra apagar a consciência com a voz suave do sono, que nos falta e seria tão consolador, mas que é tão impossível. O que fazer com o desespero intenso da madrugada insone e inerte, e as palavras já me faltam e as repito, por que tenho que dizer algo, tenho que lhe perguntar e você nunca responde, tenho sede e você nunca me sacia. O que fazer?

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Criptografia

Deu tchuthcu na minha impressora
Ela deu para comer as letras
e vomitar símbolos estranhos
Talvez seja algum alfabeto alienígena
Talvez minha impressora tenha sido abduzida
Ou sido seduzida por algum aparelho
de tecnologia extra-terrestre
ou vai ver ela se amarra
em arte rupestre
só sei que não consigo decifrar
seus estranhos símbolos
Talvez ela esteja tentando
estabelecer contato
utilizando uma língua própria.
Vou comprar um impressoro
pra ela
ela vai ficar impressionada
quem sabe se acasalem?
Posso vender os filhotes
e abrir uma firma forte
no ramo
Acho que vou dar à minha mascote
o apelido carinhoso de Pressora
é que ela anda me fazendo
muita pressão
com esse seu novo tique-nervoso
que deve ser só um chilique!
Talvez ela esteja de tensão-pré-menstrual...
Eu já recarreguei os cartuchos
dei colo
e nada adianta
mas como vou lhe dar remédio pra cólica
se ela não tem garganta?

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

HIATO

                                                                   (para ZMC)

HI pra cá
ATO pra lá
e entre eles uma distância perpétua, infinita
como se estivessem separados
por sentença definitiva
tornando a situação aflitiva
e intrivial:
inanal
inoral
invaginal
e a dobra do hiato
é feito uma invaginação do intestino
testando sua mais habitual absorção
Absorvendo os nutrientes
e deixando o bagaço
que vamos expelir

O hiato é duplo
como um intestino bivial
que absorve e rejeita:
seleção natural

O hiato é difiícil de engolir
o t agarra na garganta
e fica pendurado na glote
causando ânsia de vômito

O hiato é feito um pato
tem bico e penas e
patas com nadadeiras
e bota ovos

o ovo do hiato é a letra o
e se chama hiatovo

o hiatovo na massa do bolo não dá liga
pois a massa fica cheia de hiatos
(e o bolo dá dor de barriga)

O hiato é um cara muito chato:
bota ovo que não dá liga,
parece um pato
e fica separando eu de você,
adiando os fatos.