Altar
As árvores continuam verdes
e o céu já não se borra todo de nuvens
e chora açúcares gordos como lágrimas
que nos picam miudinho e repetidamente
e a gastrite arde como lava incandescente
descendo morro abaixo enquanto se guia pelo mapa astral
desdobrado feito um pergaminho amarelo e muito gorduroso
que seca o azeite das mãos
e derrete feito gelatina ácida
que corroesse o esôfago
numa pirofagia em labaredas incendiadas
e cada chama que aquece
também arde na pele feito um câncer
que abrisse em pétalas convidativas
e absorvesse todo o resquício.
Mas já não sobram faíscas
e os farelos se lambem em minúsculas migalhas
que vão porejando do chão fértil como se tivesse sido adubado.
Agora quase nunca as janelas se abrem
e o Egito já pariu pirâmides demais
que tagarelam como patos roucos
e se esfolam nos piques-pegas
até de manhazinha.
Eu sou pequena como uma árvore
e o céu se desbota a cada manhã
ficando menos azul.
Mas as tulipas são necróticas
e as lápides foram ajeitadas feito toalhas de mesa caindo para os lados
e escorrendo nas pontas
de um lápis infinito
que escrevesse incessantemente
e se intumescesse todo
feito um bolor
a vapor.
Eu não queria,
eu não queria
ser um depositório de dor.
Um comentário:
seus versos são felicidades,
helena, alegrias de infinitas
potências amorosas num mundo
de falantes e ouvintes tanto
mais falantes e ouvintes
quanto mais surdos-mudos; daí a tristeza, que é alegria invertida,
à flor da pela, do socius, do sexo,
da amizade, do encontro, da helena.
b
de la mancha
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