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quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Despedida

Minha cachorra já tinha operado umas quatro vezes, a primeira vez para retirar um tumor benigno que poderia vir a crescer muito e atrapalhá-la, uma das vezes para retirar o útero e ovários, na última vez para retirar um dos cordões mamários (dessa vez era câncer mesmo). Já tinham aparecido novos caroços nela depois da última operação, e depois dessa mesma última operação, ela voltou com uma respiração ofegante (minha ex-professora de Tai-Chi Chuan - "chi" é respiração - já tinha dito numa de suas aulas que os bebês e animais normalmente respiram pelo abdômen, e não pelo tórax, pois a respiração pelo abdômen é a respiração natural e assim sempre deveríamos respirar), notei que ela estava respirando pelo tórax logo depois que ela voltou da cirurgia, e ela há muito tempo já tinha sopro no coração, e seu coraçãozinho deve ter sido muito afetado por esta derradeira cirurgia, pois um exame detectou que a situação estava bem grave. Quando ela estava boa, passeava todos os dias na rua umas três vezes por dia, nos últimos tempos nem saía de casa mais para passear, mesmo dentro de casa ela mal andava, estava toda molinha.

Um dia, todos nós sofrendo junto com ela por toda essa situação, ela estava quietinha deitada no seu canto e eu sentada lendo de onde podia observá-la de perto, de repente ela olhou pra mim e deu uma gemidinha prolongada. Eu não fazia ideia do que ela estava sentindo, chamei-a para dar uma pequena volta pela casa, então a minha mãe a pegou no colo e disse que ela não podia fazer nenhum esforço por causa do coração, nem mesmo uma pequeniníssima volta que achei que fosse distraí-la. Minha mãe se sentou no puffe da sala com ela no colo, o corpinho dela estendido apoiado em suas pernas. E eu me sentei numa cadeira e a Frida, minha cachorra, ficou um tempão com os olhos pousados em mim, enquanto minha mãe conversava comigo. Um pouco depois disso, nesse mesmo dia, minha mãe a achou estendida no chão, desfalecida, perto dos jornais sobre os quais ela fazia suas necessidades. 

Vai ficar pra sempre na minha memória esse olhar derradeiro que ela pousou em mim, olhar doce e meigo, com a expressão mais linda que ela poderia me presentear em seu último dia conosco. Olhar demorado, olhar iluminado, como se - já diz a sabedoria popular - ela fosse um anjo prestes a retornar ao céu, e essa fosse sua forma de me passar uma mensagem. Mensagem linda, por sinal, que, como já disse, nunca vou esquecer. Obrigada, Frida, por ter se despedido de mim de maneira tão doce.

(Minha carroça, digo, meu PC está tão lerdo que não consigo fazer upload de uma foto dela pra vocês terem uma ideia da meiguice desse olhar de que tanto falei e que tanto me tocou).


Um comentário:

Luis Eustáquio Soares disse...

e a meiguice do olhar dela é igual a nossa,quando saímos de nossa impostura de humanos, adultos, sérios, hierárquicos, bestas.
b
delamancha