NOS BECOS DA WEB...

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

clandestina

Ela penetrou em meu recinto
para roubar informações sigilosas.
Construiu uma teia de palavras ao meu redor.
Como uma abelha tece a sua colméia.
Como uma larva tece seu casulo.

Mas não tem mel, não tem borboleta.
Apenas tudo o que é infame!

E como livrar-me dessa excrescência?
Camada podre
a sobejar da minha pele...

Calúnias urdidas por um crocodilo insone!

domingo, 23 de novembro de 2008

Ninguém liga pra ela

orelha de elefante
pétala de rosa
camada de torta
folha de muçarela
página recheada de letras...

sábado, 22 de novembro de 2008

O livro como fetiche

Mais ou menos no começo desse ano, li Alucinações musicais, do médico Oliver Sacks. E tenho mania de assinar todo livro que compro. Assim, este também foi assinado. Mas durante a leitura do mesmo, observei que ele seria interessante e ao mesmo tempo útil à minha prima, que tem mais conhecimento de música do que eu. Assim, embora o livro já estivesse assinado, fiz, em outra página, uma dedicatória à minha prima, mas ainda não entreguei o livro a ela, já que esse ano só a vi uma vez. Devo entregar no Natal. Outro dia estava pensando que seria interessante reler esse livro. Mas agora não é a hora de relê-lo (tenho outros livros para dar cabo), o Natal está aí, teria que comprar outro. E aí surgiu o desejo de comprar outro Alucinações musicais.

Terminando uma pós-graduação em Estudos Literários, comecei a escrever uma monografia sobre o texto "O ovo e a galinha", de Clarice Lispector. Tarefa um tanto ousada, devido à complexidade do texto. Meu orientador me desencorajou a fazê-lo, assim, fiz uma monografia sobre outro texto, da mesma autora, e meu trabalho final ficou aquém das minhas possibilidades (eu me julgo capaz de fazer algo bem melhor!). Mas outro dia, lembrando-me do texto que comecei a escrever sobre "O ovo e a galinha", deu-me vontade de dar continuidade ao projeto, e para fazê-lo como havia planejado desde o início, eu teria que ler O gene egoísta, de Richard Dawkins, livro que, até hoje, eu achava que ainda estava esgotado. Pensando ser impossível encontrá-lo para comprar, a não ser que achasse num sebo por acaso, outro dia pedi ao meu irmão que mora em outro estado (e tem muitos estados separando os nossos) que o trouxesse para mim no Natal, para me emprestar.

Pois bem: hoje chego a um supermercado cujo acesso não é tão fácil, e lá logo na entrada há uma banca cheia de livros, e entre os livros há Alucinações musicais e O gene egoísta, ambos por quase a metade de seu preço normal. Uma tentação. Meu objetivo no supermercado não era esse; parei de trabalhar, ou seja, a grana está acabando, então não os comprei. Agora, em casa, enquanto lia outro livro, lembrei-me dos que não comprei hoje e analisando se devia tê-los comprado ou não, não senti nenhum arrependimento, pelo contrário, aprovei minha atitude econômica: afinal O gene egoísta posso ler de graça, Alucinações não iria reler tão cedo e seria mais um item hipertrofiando a infinita lista de livros a serem lidos, mas, o que mais me deu prazer foi notar que consegui conter meu impulso consumista. Livros são sempre bons, mas comprá-los por comprá-los, sendo que podemos pegar emprestado com alguém ou numa biblioteca (O gene egoísta, pelo menos antes de ser reeditado, era difícil de ser encontrado até em bibliotecas - artigo raro) ou comprar um livro que não iremos ler de imediato, apenas porque está exposto na prateleira do supermercado e nos sentimos tentados a adquiri-lo como se deseja um outro produto qualquer, nessa sociedade consumista em que vivemos, nessa ânsia que sentimos de POSSUIR o que está do outro lado da vitrine, barreira de vidro que nos impede de tocar o fetiche. Enfim, sou uma heroína: NÃO comprei dois livros hoje.
No seu desespero existencial, agarrou-se à Náusea de Sartre como se esta fosse a sua tábua de salvação...

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Yocablan e os pêssegos

Era uma vez um rapaz chamado Yocablan. Yocablan era apaixonado por pêssegos. Mas sua mãe mantinha um pêssego dentro de uma redoma de vidro e o proibia de comê-lo. Yocablan comia os pêssegos comuns mas nunca o pêssego que ficava sob o vidro, pêssego que era mágico e não apodrecia nunca, e que tinha um sabor muito superior aos demais pêssegos. Um dia, quando Yocablan já tinha sessenta anos, sua mãe morreu. Mas mesmo após a morte de sua mãe, Yocablan não ousou tocar o pêssego encantado. Yocablan polia o vidro da redoma, admirava o pêssego, mas nunca teve o prazer de comê-lo, limitando-se aos reles pêssegos encontrados nas feiras e supermercados, incomparáveis ao extraordinário pêssego da redoma. Até que Yocablan morreu e o pêssego continuou sob o vidro. Mas a tradição fora passada a seu filho Eustáquio, que nem ligava tanto assim para pêssegos, mas respeitava a tradição da família de não profanar o pêssego sagrado. Eustáquio, porém, esqueceu de advertir seu filho Humberto, que quando tinha dezesseis anos, vasculhando o sótão de sua casa achou uma redoma empoeirada e foi verificar o que tinha embaixo dela, achou um pêssego aveludado e fluorescente, comeu-o e achou uma delícia, e verificou estupefato que do lugar de onde ele retirara o pêssego, nascera outro. Humberto apaixonou-se por pêssegos, que nunca tinha provado até então, e assim, sempre que tinha vontade de comê-los, ia até o sotão e os saboreava veementemente, pois na bandeja de madeira sob a redoma sempre nasciam novos pêssegos, assim que o "último" era comido.
Alheio ao mundo, ele estava suspenso na Bolha de Eros, flutuando muito acima da realidade cotidiana. Nada detia seu olhar antes escrutador, tudo estava horizontalizado e tudo era desinteressante: só UMA coisa lhe interessava, só UMA única coisa lhe era urgente. Ele virou um algodão embebido da água do amor, e, uma vez embebido de tal água, nada mais ele podia absorver: tudo o mais seria óleo, sempre incompatível com a água.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Interstício

e do vício
ela lidava com o resquício
numa atitude capadócia
toda vez que ócio
oscilava inquieto.
Prenúncio
de um cio açucarado,
ósculo macio
ciciado no vento
(que é um túnel sem teto).

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Axolotles


Links para um conto de Cortázar:

em português_ http://paginas.terra.com.br/arte/dubitoergosum/recorte19.htm

em espanhol_ http://www.literatura.us/cortazar/axolotl.html

Eu sou a sombra do nada

Tudo o que havia de mais sincero em meus textos escritos foi bloqueado na minha ânsia de negar a autobiografia.

Mas um soneto que resume a minha vida sempre, mesmo tendo sido escrito há alguns anos e já postado em blog anterior, é esse:

Não tenho nada:
nenhuma qualidade e nenhum defeito.
Não sou amiga de ninguém:
nem do mendigo e nem do prefeito.

Não peço esmola a nenhum cidadão:
Pago o meu próprio preço
de viver num mundo cão,
como mereço.

Vivendo esta vida rude
em que quase nada pude
pergunto-me então:

Terá sorte o embrião?
Ou será que a mãe, que o embala,
também o ilude?

Não adianta fugir da autobiografia. É isso: a primeira estrofe foi escrita há quase 8 anos atrás, mas continuo não tendo nada nem ninguém (o restante do poema foi escrito mais recentemente).

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Desconcentrada de seu papel naquela comédia triste, a mulher mal sustentava sua voz, e, maltrapilha, recolhia do chão as migalhas que os outros deixavam escapar de seus alimentos, como uma barata a procura de detritos para sorver e: assim viver era um eterno aniquilamento.

domingo, 9 de novembro de 2008

E no final das contas a gente vê que poesia não serve para nada
e que a literatura não tem importância alguma.

Axolotl

sábado, 1 de novembro de 2008

Mastercard

Um maço de cigarros: R$ 2,90

Seu pulmão: não tem preço.
Eu seria mais tranqüilo
se vinte mil esquilos
não me perseguissem.
Porém eles o fazem com estilo
enquanto destilo
o conteúdo do rio Nilo
e faço-o virar penugem.