As palavras, você as domina, na terra delas você é Rei, e as doma e as dobra e as forja e as cinge, e no entanto você me deu poucas delas. As palavras, que me fogem aos borbotões, que me escapam e que me faltam, e que na minha boca são esparsas e ineptas. Com quais palavras não sei dizer-lhe que você tem que me dar mais delas, nem que seja para me dizer que, se mataram Deus, o que fazermos quando estamos a sós diante de nós mesmos no desespero silencioso da madrugada insone, quando nenhum livro é consolo e estamos nus diante do espelho cruel da autoconsciência flageladora, e somos nossos próprios juízes e a sentença é desoladora, nos mostra que falhamos e falhamos e não merecemos nem o próprio perdão, o que fazer, meu Deus, mas não há Deus e não há anjos e não há colo, não há chão e, se ligamos a televisão, ela aumenta o fosso que nos distancia de nós mesmos, e não há pontes entre as ilhas, somos um arquipélago desmembrado e não podemos ligar para ninguém para comunicar o nosso desespero, porque não queremos ser desagradáveis e acordar alguém e tirar-lhes o que sabemos que é tão precioso porque nos falta (e as pessoas dizem: "pode me ligar", e você, sentindo que vai incomodar, liga assim mesmo e atende uma voz bêbada de sono, que não entende nosso grito mudo), e se ligamos para o SOS vida nossa voz falha e nos sentimos tão fracos que não conseguimos comunicar nossa fraqueza, o que fazer, me diga, o que fazer? A impotência é tanta e circula onipresente em cada milímetro de veia, a impotência e o desespero, e não dá pra apagar a consciência com a voz suave do sono, que nos falta e seria tão consolador, mas que é tão impossível. O que fazer com o desespero intenso da madrugada insone e inerte, e as palavras já me faltam e as repito, por que tenho que dizer algo, tenho que lhe perguntar e você nunca responde, tenho sede e você nunca me sacia. O que fazer?
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