NOS BECOS DA WEB...

terça-feira, 30 de agosto de 2011

tudo-nada

eu sou tudo pra ele
mas ele é muito complicado e não pode ficar comigo

E eu sou tudo só pra ele.
Pros meus pais não valho nada!
e a sociedade não dá um tostão furado por mim!

Sem

eu visualizei uma esperança tão falsa
e achei que já fosse a estrada da felicidade
uma estrada com flores nas margens...
mas era só mais uma das armadilhas da vida

Até hoje eu ainda não aprendi
que raios de sol não chegam
ao calabouço
e que minha sina é conviver com os ratos do esgoto
roendo a minha alma que é de um tecido frágil
e fácil de ser roído

meus ii nunca terão pingo
meus cordões nunca terão pingente
sou sortuda como os mendigos
minha sina é ser indigente

e cada passo em falso
me leva mais rápido
para o fundo do poço

e cada gruta funda
me rejeita de seu possível abrigo

e congelo sem aconchego
nua na geada
sem nem o caroço
da azeitona da empada
sem nem o resto do almoço
sem nem os farelos da mesa
sem nem um trapo pra me cobrir
e sem arco-íris pra colorir
esse dia cinza...

Lamento

A vida triturou meus sonhos... Por que também eu tinha que ter escolhido o caminho mais difícil? Ser escritor nunca foi fácil... A educação que recebi me enganou, ao valorizar os escritores... Os livros didáticos de português sempre vinham com textos de autores consagrados - mas, e daí? A própria Clarice Lispector, que admiro tanto, nunca teve uma vida financeira fácil, apesar de ter tido seu talento reconhecido em vida...

Terminei um romance, registrei na Biblioteca Nacional, enviei para uma editora avaliar - mas a resposta, e isto se eu obtive-la (porque, se o livro não for aprovado, eles simplesmente não respondem), pode demorar até um ano. Outra editora fala para procurarmos uma agência literária para nos representar... mas e quem mora fora do eixo Rio-São Paulo, como faz para buscar uma representação dessas?

É muito difícil não ver seus esforços reconhecidos... e eu nem sei mais o que escrever para expressar minha angústia... O mercado não é nem um pouco generoso com novos autores, e todo mundo está cansado de saber disso.

Um educador sempre precisa ter esperança... mas como vou vender essa moeda podre - a literatura - para meus possíveis alunos?

sábado, 20 de agosto de 2011

O inevitável crescimento das pedras

A fórmula do saber
fermenta fartos princípios.
A fórmula do poder
revela parcos princípios
de príncipes e precipícios
e da mente hospedeira: um hospício.
Pedras, peixes, seixos e sais
O talco é poeira só:
fuligem albina
dispersada pelos Alpes
e decodificada pelos árabes
detentores dos segredos
das pílulas orientais
que os europeus douraram
com um açúcar ocidental
e venderam como
autêntico produto da Europa
e mesmo assim
hoje esta está na bancarrota
embora os bancos arrotem
euros
e os escondam da população
debaixo de seus colchões infláveis cobertos
por travesseiros de penas de ganso.

O poeta foi expulso da República
porque ele é danoso para
seus princípios de precipício
e porque ele retira a venda dos olhos
daqueles que brincam de cabra cega
Mas em terra de ciclopes
quem tem dois olhos é caolho
e extirpado como piolho
ou como pedra do sapato.
Mas quando a pedra crescer
e se transformar numa rocha
saberá ele dinamitá-la?

sábado, 13 de agosto de 2011

Fidelidade canina

Cinismo, segundo o Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa, quer dizer "irônico, sarcástico". Já segundo o Aurélio, quer dizer "1. impudência, descaramento. 2. Filos. Oposição radical e ativa às regras e convenções socioculturais". O Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa não diz claramente (o que me faz questionar a eficiência de sua função etimológica), mas cinismo vem do latim "cyno", derivado do grego "kyno", que significa cão. Mesmo se eu não tivesse uma cachorra, saberia que é impossível um cão se comportar dessa maneira como definem ambos os dicionários. Mesmo impudência não é possível, pois como os cães vão ser impudicos se desconhecem a noção de pudor? Acho que, se cinismo vem de cão, cínico deveria ser quem se comporta da maneira exatamente oposta àquela descrita na definição 2 do Aurélio. Pois o cão nunca se opõe. Mesmo que seu dono lhe aplique chutes e pontapés, o cão será fiel ao seu dono. Então cinismo não seria essa fidelidade canina? A capacidade de ser fiel a um sistema mesmo sabendo que ele é imundo e prejudica até o próprio cínico? Já vi essa palavra sendo utilizada também para definir aqueles que têm os sentidos embotados, que não reagem diante de uma ofensa grave. Talvez isso se explique pela fidelidade canina a quem os ofende. E não somos todos fieis a um sistema injusto, quando ficamos calados diante de tantas atrocidades e já não somos mais como um cão, que guia, mas como o gado, que é guiado?

Se somos todos cínicos, deveríamos latir e rosnar mais, ao invés de só abanar o rabo...

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Vamos queimar sutiã
na praça Barreto amanhã
às onze horas da manhã.
Vai até chover rã
E o prefeito dirá: "anrrrram,
vamos internar essas loucas no bosque
pra elas criarem esquilos
e quebrarem as nozes.",
Esquecendo-se de que noz não dá no Brasil
Ou ele vai nos dar um barril
dessas frutas-vozes,
fruto de um futuro infrutífero
Porque a utopia remete
a futuros remotos
sem carro e sem motos
sem sal e sem fotos
sem violência e cem pétalas
sem a mídia golpista e com arroto
que não será de bosta-cola
Mas de verduras estarão cheias as sacolas
e o ventre cheio de vento fedorento
Porque o que é corriqueiro
no ser humano
convém preservar
a não ser os
hábitos trambiqueiros
e os hálitos com mal cheiros
ao jeito dos bueiros
que só entopem
para desentorpecer
os torpedos anti-mísseis
que friccionam-se nas pólvoras amargas
para explodir faíscas
e estudar as leis da física
ensinadas pela professora tísica
que tinha alergia a tinta acrílica

domingo, 7 de agosto de 2011

Atenção, nicotina não é endorfina!

Se você quer sentir prazer, pratique esportes, coma um doce (que liberam endorfinas, ambos os comportamentos) ou pratique sexo (que além das endorfinas, ainda vem com um "bônus extra"), mas fique longe dos cigarros - eu sou fumante e sei do que estou falando! (Não é o corriqueiro "Faça o que eu falo, não faça o que eu faço", estou tentando me libertar desse vício porque, como diz Allen Carr: não se iluda, todo fumante quer ser um não-fumante!)

Já a nicota (apelido carinhoso pra nicotina, se é que esta "ordinária" merece "apelido carinhoso"), além de não nos dar nenhum prazer, apenas nos deixa estressados, ao contrário do que a maioria dos fumantes pensam. Não relaxa, só causa mais stress, porque você está sempre pensando no próximo cigarro, e não fica satisfeito enquanto não inala aquela fumaça tóxica, fedorenta e amarga. A sensação de "prazer" que o fumante acha que tem é uma ilusão, gerada pela dependência química.

Enfim, se você é fumante e, como eu, está desesperado(a) pra parar de fumar e sabe inglês, leia How to be a happy non-smoker, de Allen Carr. Sim, auto-ajuda, mas qual o problema de ler uma auto-ajuda uma vez ou outra?

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Quentão

E a gente percebe os vícios, e a gente percebe os erros, e a gente se acabrunha, e a gente se desalinha, e a gente perde a linha, e a gente morde a isca e é fisgado, morrendo pela boca pra não morrer afogado. A todo instante os poros estão de boca aberta, querendo engolir o ar e secretar o suor, e o néctar se espalha feito um espelho caudaloso que carrega os troncos das árvores pra muito longe, pra um futuro obeso de novidades, pra um gesto outro que não encontra, pra derramar faíscas foscas feito ferrugem, farfalhando folhas furadas. O litro é o metro líquido, e o vapor evola de repente, e o voo estanca a represa, e a represália suspende o efeito, e o rio dorme em seu leito, e o leite brota das tetas do inseto ovíparo como os bodes selvagens. Seladas estão as cartas encerradas nas gavetas do caixa-forte, e a sorte é que elas nunca serão lidas, senão minhas memórias seriam traídas como os cadáveres infrutíferos que são roídos célula a célula, encerrando em sua carne o azeite doce para deleite dos vermes gulosos e ávidos, vivos e esquálidos e dançando a quadrilha e gritando: "olha a chuva!", e soltando foguetes e comendo pipocas e bebendo quentão pra ajudar a empurrar goela abaixo aquela carne podre que eles devoram, porque senão ninguém aguenta, né?

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Patriarcalismo nojento

Eu tenho uns textos publicados no Recanto das Letras, com meu nome completo, e lá eu tinha uma seção só de poemas eróticos, que acabei tirando de lá. Pois eu acho muito triste ter que ter me submetido a esse tipo de censura. É muito triste não poder falar abertamente sobre certas coisas. É de uma tristeza profunda vivermos numa sociedade tão puritana, de uma tristeza que beira o mórbido. E várias pessoas já me chamaram de mórbida. Talvez seja exatamente por isso. Porque eu tenho que priorizar o instinto de tânatos em detrimento do de eros diante de uma sociedade neurótica na qual, por mais que o falo esteja simbolicamente colocado no pedestal de forma explícita, se a gente fala em falo, a gente está errada, a gente é vista como prostituta numa sociedade em que isso é "uó", sendo que esta talvez seja mais uma forma do homem reprimir a mulher, porque, numa sociedade em que tudo é vendido, em que só faltam nos vender o ar que respiramos, qual é o problema de se vender o corpo? Qual é o problema de cobrar pelo que falam que "damos" de graça, sem às vezes recebermos nada em troca, às vezes nem o mínimo prazer? E assim transformam em crime o que talvez seja uma forma legítima de emancipação da mulher. Se um homem vender cocaína, ele não descerá tão baixo no julgamento da sociedade, só porque ele é homem. Mas uma mulher que vende o corpo é vista como o "mal encarnado", o pior dos seres.

Eu nunca fiz sexo em troca de dinheiro, muito pelo contrário, quase todos os meus namorados eram pobres, eu nunca me relacionei com alguém buscando ascender socialmente através disso, como muitas mulheres fazem, e ainda assim são bem vistas - e essa também não é uma forma de se vender? Só porque fizeram uma cerimônia na igreja, não são prostitutas? Porque um ritual "purificou" o ato? Eu nunca fiz esse tipo de coisa, e ainda assim fui estigmatizada, porque falei de algo tão natural e tão inerente ao ser humano, algo que todos fazem, que, mesmo que não tenham feito, pensaram em fazer, porque isso é fisiológico e não adianta lutar contra algo que está enraizado nas nossas células, no nosso corpo, na nossa carne.

É muito triste ser castrada dessa forma. Sérgio Sant`Anna, em seus livros, descreve altas putarias, mas ele não é estigmatizado porque é homem. Mas as mulheres têm que escrever sobre florzinhas, se abrem um blogue pra falar abertamente sobre sexo não podem se identificar.

É quase como quando dizem que antigamente as mulheres não podiam gozar, e talvez ainda não possam, pois não podem falar sobre isso, não podem falar sobre seus corpos, sobre suas sensações, enfim, têm que calar a boca. E não dizem por aí que tem mulher que nunca sentiu orgasmo? Eu não duvido que isso seja verdade. É como já disse, cada vez mais percebo que tenho que falar o óbvio: as mulheres ainda são muito reprimidas, e ai daquelas que tentam questionar essa repressão, dar voz aos seus desejos ou fazer algo fora do que é estipulado para elas, que saem fora do seu quadrado desenhado com giz caucasiano: elas que permaneçam dentro dos limites que lhe foram impostos, e que não reclamem, e que também não gozem, porque, lembrem-se, esse é um privilégio masculino numa sociedade falocrata.
Hoje a poesia me salvou da fossa
assim como o xarope cura da tosse
e o passarinho faz pose
quando se diz:
"Olha o passarinho!"
Então ele se empluma
com suas melhores penas
e o fotógrafo tem pena
da sua vã vaidade:
"Melhor seria
que ele ajeitasse o bico
pra que na hora do flash
não saia muito reluzido."