Qual a arma
da tua luta?
Com que venda
te negas a ver o embuste?
Qual azeite amargo
lambuzou o leite doce
vindo das tetas do fóssil?
O sêmen frutifica espelhado
e assim o embrião já nasce com reflexo
do ego
do gozo
do Bozo
do fosco arame de prata cálida.
O mel é despejado em jarras
para deleite da turba que adora o deus mel
que só é deus porque mela tudo
colando as fotos nos fatos
desesfarelando num amálgama pastoso a farofa.
O deus mel que brotou do chifre do unicórnio
Fato que foi alardeado através de uma corneta
soprada por aquele a quem batiam punheta
no exato instante em que ele soprava a corneta
E de repente o mel foi despejado na corneta
Tendo esta se convertido em mamadeira.
É a festa do mel que tudo mela
mela a panela
mela a janela
mela a remela
e remela a Manuela.
Os elos dos brincos
já estão sem trincos.
A janela trincada é remendada com remela.
O mel que tudo mela remela a Manuela.
NOS BECOS DA WEB...
terça-feira, 28 de dezembro de 2010
domingo, 19 de dezembro de 2010
Pós-leitura de Deus, um delírio
Eu disse que vinha aqui dar meu parecer depois que acabasse de ler Deus, um delírio, de Richard Dawkins. Pois bem, aqui estou. Antes de mais nada, gostaria de lembrar que, como disse Derrida, só dialogamos com quem achamos que é relevante fazê-lo. E respeito muito e admiro o Dawkins.
Racionalmente, estou convencida. Mas, como disse o próprio autor desse livro que tanto tem tomado a minha atenção: "Não quero desprezar os sentimentos humanos. Mas deixemos claro, em qualquer conversa, sobre o que estamos falando: sentimentos ou verdade. Os dois podem ser importantes, mas não são a mesma coisa."
Mais adiante, o próprio Dawkins diz que o que é "verdade" para um ser humano não necessariamente o seria para um morcego, por isso prefiro substituir o termo "verdade", no trecho de Dawkins, por "razão", se é que faz tanta diferença assim, pois, novamente, o que é "razão" para um ser humano poderia não sê-lo para uma toupeira.
Continuando: razão e sentimentos, temos que conviver com essas duas dimensões, não podemos simplesmente abolir uma ou outra, e essas duas dimensões geralmente são ambíguas e inconciliáveis: daí nasce o barroquismo, o paradoxo da existência humana.
O que dizer, por exemplo, a um amigo que sempre se julgou ateu e de repente tem um sonho premonitório? Como a seleção natural explicaria a premonição? Simplesmente falar em questões de probabilidade encerra qualquer raciocínio?
Bem, já mencionei "sexto sentido" justamente quando falava de Deus, um delírio. Os bons fluidos que sinto receber de vez em quando, e que de maneira nenhuma consigo manipular, eu os senti até durante parte da leitura de Deus, um delírio, afinal, uma pergunta de Dawkins me chamou muito a atenção: "E se Deus for um cientista?" E ele completa dizendo que alguém que criou um universo dessa magnitude, cheio de leis que denominamos "leis da física", para ficar só na física (uma das secções que fazemos da realidade. Outra secção seria a biologia, por exemplo), só poderia ser um cientista.
Enfim, gosto do Dawkins porque ele me faz pensar. E considero Deus, um delírio um importante instrumento de libertação.
Obs.: quanto ao argumento do "sexto sentido" e "bons fluidos", claro que estou ciente que é um dos tipos do que Dawkins considera "argumento da experiência pessoal", que, segundo ele, não necessariamente convence ninguém.
* * *
Obs.: quanto ao argumento do "sexto sentido" e "bons fluidos", claro que estou ciente que é um dos tipos do que Dawkins considera "argumento da experiência pessoal", que, segundo ele, não necessariamente convence ninguém.
terça-feira, 30 de novembro de 2010
Utopia
Tanta gente fala mal do cigarro, e no entanto a televisão é uma droga muito pior, mais maléfica e mais desagradável e todos fazem uso dela indiscriminadamente, discriminalizadamente. Não acredito na perfeição, mas um mundo sem televisão seria quase perfeito! Um mundo sem outro zumbido que não o dos insetos.
Mas essa praga, a televisão, se prolifera rápido.
Por que as pessoas têm cérebro, se existe televisão?
sexta-feira, 26 de novembro de 2010
Cortina de fumaça ou Deus e o dinheiro que ele engendra
É espantoso que Richard Dawkins tenha dito que a crença ou a descrença sejam algo pelo qual não podemos optar. Se não podemos optar, então não há a possibilidade de conversão: um crente que leia seu livro Deus, um delírio pode ser seduzido por seus brilhantes (sem ironia) argumentos, mas, já que não pode optar, segundo o próprio Dawkins, então continuará crendo.
A não ser que cometa suicídio visual (alguém que propositalmente fure os próprios olhos, por exemplo), uma pessoa não opta por ser cega. Assim, também, talvez haja as pessoas que sejam dotadas de "sexto sentido" e as privadas dele. Então, nesse caso, realmente não podemos optar.
Enquanto vou lendo o livro, realmente vou sendo racionalmente seduzida por seus brilhantes argumentos, mas, de vez em quando uma carola dentro de mim resmunga. Como o martelo dos geólogos para John Ruskin, em sentido contrário, enquanto ele lia a Bíblia.
Segundo o espectro das probabilidades proposto por Dawkins, me defino como o tipo 3: "Tecnicamente agnóstico, mas com uma tendência ao teísmo. 'Tenho muitas incertezas, mas estou inclinado a acreditar em Deus.'"
A maioria das religiões por aí realmente agride nossa inteligência. Mas gostei de saber que Dawkins não tem tanta implicância com o budismo, o qual sempre me fascinou, embora dele conheça muito pouco. "(...) não me preocuparei nem um pouco com outras religiões como o budismo e o confucionismo. Na verdade, o fato de elas serem tratadas não como religiões mas como sistemas éticos ou filosofias de vida quer dizer alguma coisa.", diz Dawkins.
Agora, uma outra objeção que faço (se é que já fiz alguma) ao referido livro de Dawkins é que é bastante ingenuidade acreditar que o atentado às torres gêmeas do World Trade Center foi motivado por uma situação puramente religiosa. Mesmo no problema entre israelenses e palestinos, assim como a perseguição aos judeus tanto pela Inquisição quanto pelo Nazismo, em todos esses casos a questão religiosa é mero pano de fundo. Em todos eles, a questão central é de ordem econômica. É só ver o filme "Fahrenheit 11 de setembro", de Michael Moore, por exemplo. Muito provavelmente (já que Dawkins gosta de falar em probabilidade), o papel da religião nesse atentado se resume a utilizar as pessoas (os pilotos-suicidas, por exemplo) como massa de manobra, já que pode muito bem haver um conluio entre Osama Bin Laden e George Bush, como sugere Michael Moore. Afinal, o Oriente Médio, que teve dois países invadidos em retaliação ao atentado às torres gêmeas, está cheio de petróleo, que tanto interessa aos EUA. Assim, a religião é veiculada como a verdadeira causa de muitos males apenas para enganar a população, para desviá-la do que realmente interessa (assim como as próprias religiões o fazem com seus fieis): a questão econômica.
quinta-feira, 4 de novembro de 2010
À preferida ferida
À medida que o tempo foi passando
eu fui emburrecendo.
Eu era nova como uma ferida
aberta na carne da vida.
Mas taparam-me com esparadrapos.
E toda a riqueza da ferida
deixou de sangrar.
Os coágulos são de uma preciosidade saturada
Mas o jeito é se calar
e deixar a pele se regenerar
com camadas e camadas
de alienação.
A ferida é bela e sincera
mas a tapam
com curativos.
A ferida é limpa e honesta
mas a querem suja e feia
e suja e feia ela se torna,
maculando a previsível superfície contínua.
eu fui emburrecendo.
Eu era nova como uma ferida
aberta na carne da vida.
Mas taparam-me com esparadrapos.
E toda a riqueza da ferida
deixou de sangrar.
Os coágulos são de uma preciosidade saturada
Mas o jeito é se calar
e deixar a pele se regenerar
com camadas e camadas
de alienação.
A ferida é bela e sincera
mas a tapam
com curativos.
A ferida é limpa e honesta
mas a querem suja e feia
e suja e feia ela se torna,
maculando a previsível superfície contínua.
domingo, 24 de outubro de 2010
Troca de pele
Como numa ecdise
a pele nova nasce após a necrose.
E nessa incessante troca
do nosso epitélio ávido
por nascer todos os dias
ressurgimos
parindo-nos a nós mesmos
e é por isso que às vezes
entramos naquele estado de transe típicos dos partos naturais.
É essa a ressurreição
em que acredito:
a cotidiana ressurreição
de nosso epitélio.
Camadas e camadas de pele perdemos todos os dias
e vamos espalhando nosso DNA por aí
como pólen dispersado no vento
que germinaria se fôssemos esponjas.
Um túmulo para cada célula morta
e o mundo não caberia em si.
Ofídeos, somos:
a cada dia exibimos uma nova roupagem
e sobre a pele a roupa que é casca:
segunda pele.
Nos mendigos a casca cola-se ao corpo:
a roupa vai se moldando ao corpo
e assim eles fingem
que têm sempre a mesma pele:
tecido sobrecutâneo
que, roto e sujo,
causa asco à madame
que paga pelas suas roupas como se estas fossem costuradas a ouro
e mesmo assim se vestem mal,
com o mau gosto típico das madames
que se acham chiques
e se julgam auto-imunes ao que julgam sujo
(como se não defecassem)
e se acabam em chiliques
quando se deparam com o que é pútrido.
Mas não vou ficar aqui falando o que é óbvio
ao que já foi dito por inúmeras vias
sacrílegas ou oficiais.
Chega de gastar o verbo
com poemas marginais:
se a vida de cada um de nós é um romance a ser lido por algum suposto leitor
a minha certamente é má literatura
e atrairá pseudo-intelectuais
e será desprezada pelos críticos autênticos
feito aquele pão intragável e duro de anteontem
ao lado de uma fatia fresca de bolo de chocolate com calda de brigadeiro escorrendo apetitosamente fazendo brotar a saliva em feixes dentro de nossa boca ávida.
Mas a vida
é mesmo insossa.
Ou pior:
carne de pescoço.
Ou ainda
aquele calhamaço
abandonado pela metade até pelo leitor mais persistente.
Ou ainda
ir acampar e esquecer o repelente.
Ou ainda
um poema com rimas anódinas.
a pele nova nasce após a necrose.
E nessa incessante troca
do nosso epitélio ávido
por nascer todos os dias
ressurgimos
parindo-nos a nós mesmos
e é por isso que às vezes
entramos naquele estado de transe típicos dos partos naturais.
É essa a ressurreição
em que acredito:
a cotidiana ressurreição
de nosso epitélio.
Camadas e camadas de pele perdemos todos os dias
e vamos espalhando nosso DNA por aí
como pólen dispersado no vento
que germinaria se fôssemos esponjas.
Um túmulo para cada célula morta
e o mundo não caberia em si.
Ofídeos, somos:
a cada dia exibimos uma nova roupagem
e sobre a pele a roupa que é casca:
segunda pele.
Nos mendigos a casca cola-se ao corpo:
a roupa vai se moldando ao corpo
e assim eles fingem
que têm sempre a mesma pele:
tecido sobrecutâneo
que, roto e sujo,
causa asco à madame
que paga pelas suas roupas como se estas fossem costuradas a ouro
e mesmo assim se vestem mal,
com o mau gosto típico das madames
que se acham chiques
e se julgam auto-imunes ao que julgam sujo
(como se não defecassem)
e se acabam em chiliques
quando se deparam com o que é pútrido.
Mas não vou ficar aqui falando o que é óbvio
ao que já foi dito por inúmeras vias
sacrílegas ou oficiais.
Chega de gastar o verbo
com poemas marginais:
se a vida de cada um de nós é um romance a ser lido por algum suposto leitor
a minha certamente é má literatura
e atrairá pseudo-intelectuais
e será desprezada pelos críticos autênticos
feito aquele pão intragável e duro de anteontem
ao lado de uma fatia fresca de bolo de chocolate com calda de brigadeiro escorrendo apetitosamente fazendo brotar a saliva em feixes dentro de nossa boca ávida.
Mas a vida
é mesmo insossa.
Ou pior:
carne de pescoço.
Ou ainda
aquele calhamaço
abandonado pela metade até pelo leitor mais persistente.
Ou ainda
ir acampar e esquecer o repelente.
Ou ainda
um poema com rimas anódinas.
terça-feira, 5 de outubro de 2010
Vísceras roídas
vontade de rasgar todos os meus livros
e sangrar bichos vivos
para fazer de suas tripas colares podres
e enfeitar-me com as vísceras do bode
para preparar-me para a última foda
e lançar moda
com esse ritual satânico
recheado com sexo tântrico
para louvar um deus adormecido
(talvez Baco)
Por que ainda não inventaram
o deus da cevada?
Já inventaram,
contudo,
o deus das mal-amadas...
Mal-amadas pelos desalmados
porcos de hospícios
afundados nos mais desprezíveis vícios
e que vendem ósculos nos botecos
bonecos esculpidos em giz -
da cicatriz da flor arrancada jorra um cuspe íntimo e calcáreo
escorrendo pela superfície marmórea
dos tédios aéreos.
e sangrar bichos vivos
para fazer de suas tripas colares podres
e enfeitar-me com as vísceras do bode
para preparar-me para a última foda
e lançar moda
com esse ritual satânico
recheado com sexo tântrico
para louvar um deus adormecido
(talvez Baco)
Por que ainda não inventaram
o deus da cevada?
Já inventaram,
contudo,
o deus das mal-amadas...
Mal-amadas pelos desalmados
porcos de hospícios
afundados nos mais desprezíveis vícios
e que vendem ósculos nos botecos
bonecos esculpidos em giz -
da cicatriz da flor arrancada jorra um cuspe íntimo e calcáreo
escorrendo pela superfície marmórea
dos tédios aéreos.
domingo, 3 de outubro de 2010
O medo mórbido
eu vivo na Idade Média
quando o riso era proibido
e "eles" queimavam as bruxas.
então finjo o tempo todo
para mim e para os outros
que eu não sou uma bruxa.
e tomo muito cuidado
para nenhum riso escapar pela minha boca
nem nenhum feitiço irradiar de mim.
Então vivo sob o efeito do medo
que escorre feito um melado
por entre as paredes das artérias
(o medo, esse estranho modo
de modelar a fôrma)
e sob efeito do medo
todos não passam de cadáveres
e o corpo que carregamos é um túmulo de si mesmo
moendo a própria moenda
mofando toda a fazenda
que não dá morangos na colheita
olheiras violetas são minha maquiagem:
ainda bem que está na moda ser vampiro!
quando o riso era proibido
e "eles" queimavam as bruxas.
então finjo o tempo todo
para mim e para os outros
que eu não sou uma bruxa.
e tomo muito cuidado
para nenhum riso escapar pela minha boca
nem nenhum feitiço irradiar de mim.
Então vivo sob o efeito do medo
que escorre feito um melado
por entre as paredes das artérias
(o medo, esse estranho modo
de modelar a fôrma)
e sob efeito do medo
todos não passam de cadáveres
e o corpo que carregamos é um túmulo de si mesmo
moendo a própria moenda
mofando toda a fazenda
que não dá morangos na colheita
olheiras violetas são minha maquiagem:
ainda bem que está na moda ser vampiro!
segunda-feira, 27 de setembro de 2010
poema cinza
pele por pele
a gente vai
descamando.
gota a gota
a gente vai
desmamando.
e ainda não inventaram nenhum antídoto
para o veneno ácido do amor
que escorre feito um caldo cálido da maçã
sabendo ao sumo insaciável do sujo suco.
expelimo-nos a nós mesmos
gota a gota.
a areia escorre
grão a grão.
e ingerimos cada farelo do pão
que o diabo amassou
depois que caiu do céu.
jogue a pá de cal
nesse sentimento com mofo.
lápis a lápis
eu retiro do estojo
e faço um arco-íris
da escala de cinza:
preto,
preto menos um,
preto menos dois
e assim por diante
feito uma gradação
monótona
e
inútil.
mas a cor já foi furtada
e seu rapto
é inepto
pois cada cor é uma secção do visível
que pinçamos uma a uma e depois as misturamos numa tela:
verde
roxo
amarelo
e misturamos até formar um caldo cinza
amálgama da pastosa tinta
resquício da paisagem extinta
gravetos quebrados na quina da floresta
restos amenos de faces cansadas
com olheiras escorrendo até o queixo
pincéis descabelados
e tudo fora do eixo
espirais aspirando a reta curva
dos lençóis que não se amassam
áspera pera tecida em cada areia branca
garranchos rupestres inscritos no vento
sofrimento uterino feito um vácuo indeciso.
cisco a cisco
eu arrisco.
letra a letra
eu posto.
a pólvora de cada fósforo
a impotência do lusco-fusco
a criança assustada no escuro
pedra a pedra:
o muro:
entre duas alemanhas
o muro
um muro de chumbo
muro
inquebrantável
insensível ao veludo da manha
incorruptível às sutis artimanhas
inoxidável como ouro
surdo a qualquer desaforo
um muro-deus,
um muro
que se desdobra em murros
e se estende até o morro
feito uma modorra inóspita
feito aqueles que cercam os hospícios
(barreira sanitária: o muro-nojo)
a náusea, o entojo
o caramujo:
as teclas do piano são um arco-íris que se esqueceram de colorir
e nelas afundo os dedos até sorrir
um sorriso triste como se eu estivesse descalço
e do musgo dos meus dentes brilhando com a saliva
você vê brotar um bolor mais áspero
e me espera me dando as costas:
a rosa
folha por folha
já está murcha
como murcha
deveria estar
e as gengivas já estão ressecadas
e o céu de hoje em diante para sempre estará nublado
a gente vai
descamando.
gota a gota
a gente vai
desmamando.
e ainda não inventaram nenhum antídoto
para o veneno ácido do amor
que escorre feito um caldo cálido da maçã
sabendo ao sumo insaciável do sujo suco.
expelimo-nos a nós mesmos
gota a gota.
a areia escorre
grão a grão.
e ingerimos cada farelo do pão
que o diabo amassou
depois que caiu do céu.
jogue a pá de cal
nesse sentimento com mofo.
lápis a lápis
eu retiro do estojo
e faço um arco-íris
da escala de cinza:
preto,
preto menos um,
preto menos dois
e assim por diante
feito uma gradação
monótona
e
inútil.
mas a cor já foi furtada
e seu rapto
é inepto
pois cada cor é uma secção do visível
que pinçamos uma a uma e depois as misturamos numa tela:
verde
roxo
amarelo
e misturamos até formar um caldo cinza
amálgama da pastosa tinta
resquício da paisagem extinta
gravetos quebrados na quina da floresta
restos amenos de faces cansadas
com olheiras escorrendo até o queixo
pincéis descabelados
e tudo fora do eixo
espirais aspirando a reta curva
dos lençóis que não se amassam
áspera pera tecida em cada areia branca
garranchos rupestres inscritos no vento
sofrimento uterino feito um vácuo indeciso.
cisco a cisco
eu arrisco.
letra a letra
eu posto.
a pólvora de cada fósforo
a impotência do lusco-fusco
a criança assustada no escuro
pedra a pedra:
o muro:
entre duas alemanhas
o muro
um muro de chumbo
muro
inquebrantável
insensível ao veludo da manha
incorruptível às sutis artimanhas
inoxidável como ouro
surdo a qualquer desaforo
um muro-deus,
um muro
que se desdobra em murros
e se estende até o morro
feito uma modorra inóspita
feito aqueles que cercam os hospícios
(barreira sanitária: o muro-nojo)
a náusea, o entojo
o caramujo:
as teclas do piano são um arco-íris que se esqueceram de colorir
e nelas afundo os dedos até sorrir
um sorriso triste como se eu estivesse descalço
e do musgo dos meus dentes brilhando com a saliva
você vê brotar um bolor mais áspero
e me espera me dando as costas:
a rosa
folha por folha
já está murcha
como murcha
deveria estar
e as gengivas já estão ressecadas
e o céu de hoje em diante para sempre estará nublado
sábado, 11 de setembro de 2010
poema interminado
cada email não respondido
é uma porta trancada
à luz infinita e rara
rejeitada pelo vaga-lume mais sórdido
que vaga entre as sobras de almoços
e rejeita a luz para se alimentar das trevas
e das bostas repletas de vermes
que ele mendiga com uma peneira
a sacolejar moedas tilintantes
peneirando a bosta para que ela se torne mais rarefeita (mais [rarefezes) e mais rala e mais perfeita
como se faz com um rútilo mineral
que pulsa nas entranhas da terra
que respira cada milímetro cúbico de ar
desesperado como um peixe fora d' água
imitando gente que existe até à náusea mais rala e mais rara
de tão comum.
ávidos de cada instante
sobrevivemos
com a esmola de cada dia
com a cota diária de luz solar
da qual temos que nos proteger com filtro
e o filtro é a peneira óbvia que não tapa o sol
porque não existe tampa para o sol
ora, o sol não se tampa
e é por isso que cada vitamina c evapora
ao menor contato com o ar
porque o sol não se tampa
e as tampas são tão óbvias
e inúteis
mas mesmo assim o comércio de tampas é tão lucrativo
que eu não vou mais vender preservativo
que é privativo ao primitivo obsoleto dos minerais
que brilham a cada faísca
ao menor contato com a luz solar
ao menor contato venéreo
de cada doença que se espraia
correndo solta em cada veia
do corpo
que ainda pulsa
(e cada organismo vivo
é a pré-história do cadáver
feito a história prévia de cada ave
cada alvéolo que apodrecemos com a nicotina diária
a que temos direito
para que possamos nos envenenar
com a neve grisalha
que evola do bastão de papel
que evapora feito vitamina c
e fede feito cecê
contido em cada ônibus
como a menstruação que não podemos evitar
e transborda do absorvente parco
e insuficiente)
e pensar que se não tivéssemos nascido
teríamos
metade vazado com o endométrio de nossas mães
a outra metade ido embora com a descarga dada pelos nossos [pais
e assim a casualidade da nossa existência
depende de um ventre inchado
de uma mãe que presenteamos com varizes
e às quais depois damos um liquidificador no dia das mães [para disfarçar
a nossa impiedade
e inventamos um recheio etéreo para nosso organismo
que cisma a cada abalo sísmico
e inventamos que viemos de um mundo mais rarefeito
um céu eterno com anjos de franjas
que não comem frangos nem cebolas
e não pedem esmolas nos semáforos
e não sabem o que é desaforo
nem têm resposta para os poemas que não sabemos como terminar
e ficam sem contornos nem limites
feito uma escultura impressionista
cujo contorno é a falta de contorno
e o limite é o entorno
de um forro velado
e abstrato como neve cálida
que as calotas engolem ao derrapar na areia.
é uma porta trancada
à luz infinita e rara
rejeitada pelo vaga-lume mais sórdido
que vaga entre as sobras de almoços
e rejeita a luz para se alimentar das trevas
e das bostas repletas de vermes
que ele mendiga com uma peneira
a sacolejar moedas tilintantes
peneirando a bosta para que ela se torne mais rarefeita (mais [rarefezes) e mais rala e mais perfeita
como se faz com um rútilo mineral
que pulsa nas entranhas da terra
que respira cada milímetro cúbico de ar
desesperado como um peixe fora d' água
imitando gente que existe até à náusea mais rala e mais rara
de tão comum.
ávidos de cada instante
sobrevivemos
com a esmola de cada dia
com a cota diária de luz solar
da qual temos que nos proteger com filtro
e o filtro é a peneira óbvia que não tapa o sol
porque não existe tampa para o sol
ora, o sol não se tampa
e é por isso que cada vitamina c evapora
ao menor contato com o ar
porque o sol não se tampa
e as tampas são tão óbvias
e inúteis
mas mesmo assim o comércio de tampas é tão lucrativo
que eu não vou mais vender preservativo
que é privativo ao primitivo obsoleto dos minerais
que brilham a cada faísca
ao menor contato com a luz solar
ao menor contato venéreo
de cada doença que se espraia
correndo solta em cada veia
do corpo
que ainda pulsa
(e cada organismo vivo
é a pré-história do cadáver
feito a história prévia de cada ave
cada alvéolo que apodrecemos com a nicotina diária
a que temos direito
para que possamos nos envenenar
com a neve grisalha
que evola do bastão de papel
que evapora feito vitamina c
e fede feito cecê
contido em cada ônibus
como a menstruação que não podemos evitar
e transborda do absorvente parco
e insuficiente)
e pensar que se não tivéssemos nascido
teríamos
metade vazado com o endométrio de nossas mães
a outra metade ido embora com a descarga dada pelos nossos [pais
e assim a casualidade da nossa existência
depende de um ventre inchado
de uma mãe que presenteamos com varizes
e às quais depois damos um liquidificador no dia das mães [para disfarçar
a nossa impiedade
e inventamos um recheio etéreo para nosso organismo
que cisma a cada abalo sísmico
e inventamos que viemos de um mundo mais rarefeito
um céu eterno com anjos de franjas
que não comem frangos nem cebolas
e não pedem esmolas nos semáforos
e não sabem o que é desaforo
nem têm resposta para os poemas que não sabemos como terminar
e ficam sem contornos nem limites
feito uma escultura impressionista
cujo contorno é a falta de contorno
e o limite é o entorno
de um forro velado
e abstrato como neve cálida
que as calotas engolem ao derrapar na areia.
quinta-feira, 2 de setembro de 2010
O mau-humor no campo de centeio
As coisas ou são uma droga ou são uma merda. Eis como pensa Holden Caulfield, o narrador do romance O apanhador no campo de centeio, de J. D. Salinger. A revolta e o ódio como filosofias de vida.
Caulfield não tem muito vocabulário. Usa sempre como advérbio as locuções "pra burro" e "pra chuchu" (obviamente, assim é como foi traduzido, mas - também obviamente - o tradutor deve ter mantido a pobreza vocabular do original). Caulfield não tem tanto Q.I. quanto Luce, que estudou com ele num dos colégios por que passou. Mas tem o mínimo de inteligência para perceber que todos ao seu redor são um bando de idiotas. Uma sociedade ególatra na qual "o dinheiro fala". E por isso Holden está sempre afundado na própria solidão. As relações com as outras pessoas são sempre superficiais e não o retiram de seu mau-humor solitário. E, por isso, a história de Holden Caulfield é a história de cada um de nós. Podemos nos relacionar com quem quer que seja, ser filhos de alguém importante, mas sempre temos que nos resolver sozinhos, individualmente. "Cada um por si, e Deus contra todos", diz a música dos Titãs.
Na teia de relações que é o mundo, uma individualidade roça outra individualidade, mas só na superfície, e continua indivisível. Somos uma multidão de autistas nos tateando e sentindo esse ponto mínimo de contato que só nos faz retornar ao nosso próprio cosmo interior.
Luce, talvez a única personagem de bom senso que aparece no romance - além de Phoebe e as outras crianças e o professor Antolini, apesar de suas possíveis segundas intenções - fala em filosofia oriental. O que é uma possível saída do labirinto do nosso microcosmo para o macrocosmo - onde talvez cada alma possa realmente beber da outra, através da transcendência. E Luce o fala ao falar de sexo. Caulfield mal o entende. Gagueja perguntas inocentes. Caulfield, para quem todos são idiotas e cretinos - até o Luce, com seu Q.I. alto, enchia seu saco - e que quer tanto saber para onde os patos de um laguinho do Central Park vão no inverno - como se a resposta a essa pergunta banal contivesse a senha para a sua felicidade, como se a formulação dessa pergunta, ao supostamente afastá-lo de suas questões existenciais, justamente as condensasse.
Em O apanhador no campo de centeio, o mundo adulto - o qual o narrador mal adentra, com seus dezesseis anos - é cretino e superficial, e as crianças ainda não foram corrompidas. Uma criança, ignorada pelos pais, cantando "Se alguém agarra alguém atravessando o campo de centeio" é talvez a única coisa bela de uma tarde de Holden Caulfield, que no entanto - é bom ressaltar nos dias de hoje - não é pedófilo. Ele apenas está se despedindo da própria infância e vendo com olhos realistas a cretinice da vida adulta.
Para Holden, seus irmãos - o falecido Allie, Phoebe e D.B. - não são tão cretinos (com exceção de D.B., o escritor que odiava o exército mas gostava de livros de guerra e acabou se prostituindo para Hollywood) como o resto do mundo, o que diz muito sobre um sujeito egoísta como Holden - egoísta ou isolado pela cretinice alheia?
Richard Dawkins, em O gene egoísta, diz que os seres humanos são controlados por seus genes que, remanescentes de uma luta competitiva pela sobrevivência - desde o "caldo primordial" -, são compartilhados pela metade por seus irmãos de sangue (isso explica o afeto hierarquicamente superior que dedicamos aos entes da nossa família, em relação aos outros, mesmo parentes mais distantes, com quem compartilhamos menos da metade de nossos genes - daí os tios e primos e até o avô de Holden serem todos imbecis). Mas o egoísmo não é privilégio do fictício Holden Caulfield. Para Dawkins, é característica de todos nós, seres vivos. Dawkins diz que nossos genes são egoístas mas que, entretanto, o altruísmo pode ser ensinado - entre os seres humanos, que assim contrariariam seus genes.
E, se ensinássemos - se evitássemos que as crianças caíssem no abismo - e, principalmente, se aprendêssemos a ser altruístas, não seríamos menos cretinos?
* * *
Talvez não seja ruim não ter um Q.I. tão alto se você saiba dançar bem. Ou talvez seja até melhor assim. E Holden Caulfield era um ótimo dançarino e se divertia à beça quando dançava. Talvez os únicos momentos em que a personagem principal se diverte no romance - apesar do mau-humor de Holden com a burrice de Bernice, também ótima dançarina - sejam mesmo quando ele dança justamente com Bernice e com Phoebe. E aí podemos traçar uma relação de O apanhador no campo de centeio com outro romance, O lobo da estepe, de Hermann Hesse. Nesse romance, Hermínia afinal convence Harry Haller de que ele deveria dançar e ele, que era um intelectual que vivia isolado do mundo, quando começa a dançar vê que nunca tinha se divertido na vida. É a trajetória que Hermínia queria que Harry cruzasse, deixando de ser apenas o intelectual para permitir ao seu corpo também inscrever sua grafia no mundo, se é que podemos chamar de grafia uma linguagem efêmera e não-verbal como a dança, essa grafia ágrafa.
segunda-feira, 30 de agosto de 2010
Pré-leitura de Deus, um delírio
Os seres humanos escrevem um monte de "bobagens" e atribuem o que escrevem a Deus. A Bíblia e o Corão são obras humanas, Deus não tem nada a ver com elas, elas que muitas vezes justificam atrocidades que se cometem por aí. Essas obras talvez possam ser apreciadas como Literatura ou servir de material de pesquisa para um antropólogo, por serem registros de certas culturas. E são mitológicas, aí também tendo importância para um antropólogo. Como mito. E como, no caso da Bíblia, registro histórico em outras passagens (A Gênese sem dúvida é um mito, e, como tal, até passível de ser admirado, assim como admiramos os feitos dos deuses gregos. Que eu saiba a Bíblia não é aceita como documento, mas ela talvez contenha os únicos relatos de um certo passado remoto dos semitas - a condição dos relatos serem confiáveis ou não, não se restringe à Bíblia, pois, como disse Roland Barthes, "o real não é representável". Daí que um relato nunca é totalmente confiável). Mas a Bíblia e o Corão não podem ser impostos como "verdade absoluta", ou "Palavra de Deus".
Não acredito em Deus como um velhinho de barba branca, mas há uma força superior, sim. E os ateus podem não acreditar em Deus, mas eu acredito que Deus acredita nos ateus e até mesmo prefere um ateu convicto que corre atrás de seus sonhos a um crente patético e covarde. Não que todos os crentes sejam patéticos e covardes, entenda-se bem.
O livro de Dawkins parece fabuloso (na acepção de "admirável", "grandioso"), mas provavelmente não o lerei agora (tenho um bocado de leituras para fazer), embora ele esteja me tentando como se fosse o fruto proibido da árvore da ciência do bem e do mal. Mas Dawkins assume o seguinte: "Se este livro funcionar do modo como espero, os leitores religiosos que o abrirem serão ateus quando o terminarem". Portanto, voltarei aqui para dar meu parecer posterior.
quarta-feira, 18 de agosto de 2010
terça-feira, 17 de agosto de 2010
Troféu
À noite toda a natureza dorme
mas alguns relógios biológicos são descosturados e descompassados e desmiolados
e suas cordas rangem e se rasgam se desgarram e se agarram
numa boemia desenfreada.
Assim as corujas e os morcegos
e os poetas-morcegos
que não descansam
quando está escuro
e têm no dia ensolarado um túmulo,
um ninho sombrio:
sem brio.
Suas sobrancelhas
são
caminhos sorumbáticos.
São
brânqueas brancas
e
básculas
bastante
bestas.
Basta de bostas pretas
e bifes bem passados.
Que o bife posto à mesa
não nega seu passado com chifres -
feito uma dupla coroa córnea -
e o capim caiado caeiro calcário caiano
ingerido ruminado
em seus 4 estômagos
como se ele - o boi - divagasse sobre os dilemas bovinos
relatados
por um boi letrado:
Malhado de Avis
e mascasse uma
anis
que iluminasse
seus 4 estômagos
e os transformasse
em 4 sóis
de uma galáxia láctea
feito sua fêmea
como uma bebida
sempre morna
e tépida:
telhas
de estômagos
de bezerros
e de humanos-bezerros
feito um especismo
que tiranizasse os bois alheios
numa ditadura
de reprodução desenfreada
e controlada
para explorar
sua carne
seu couro
e os criar
em cativeiros
e colocar máquinas sanguessugando eternamente o leite de suas fêmeas:
ditadura mórbida.
Feito como se
o Homem
fosse o
Rei
e dissesse que o
Leão o é
(para disfarçar sua tirania).
Feito como se
Derrida já não
tivesse dito
isso tudo
antes.
Feito um
antes
eternamente antes
que se metamorfoseasse em depois.
E não há esperança:
o ser humano é
despótico
e assim será
até o último
dia de vida na
terra.
Não é
conformismo
nem pessimismo
nem resignação consternada.
É a nitidez
da realidade
que se impõe
feito um troféu
ao predador-mor
construído e
concedido
pelo próprio predador-mor
nessa narcísica
automasturbação do ego
de um ser que não passa de um tubo digestivo incrementado.
mas alguns relógios biológicos são descosturados e descompassados e desmiolados
e suas cordas rangem e se rasgam se desgarram e se agarram
numa boemia desenfreada.
Assim as corujas e os morcegos
e os poetas-morcegos
que não descansam
quando está escuro
e têm no dia ensolarado um túmulo,
um ninho sombrio:
sem brio.
Suas sobrancelhas
são
caminhos sorumbáticos.
São
brânqueas brancas
e
básculas
bastante
bestas.
Basta de bostas pretas
e bifes bem passados.
Que o bife posto à mesa
não nega seu passado com chifres -
feito uma dupla coroa córnea -
e o capim caiado caeiro calcário caiano
ingerido ruminado
em seus 4 estômagos
como se ele - o boi - divagasse sobre os dilemas bovinos
relatados
por um boi letrado:
Malhado de Avis
e mascasse uma
anis
que iluminasse
seus 4 estômagos
e os transformasse
em 4 sóis
de uma galáxia láctea
feito sua fêmea
como uma bebida
sempre morna
e tépida:
telhas
de estômagos
de bezerros
e de humanos-bezerros
feito um especismo
que tiranizasse os bois alheios
numa ditadura
de reprodução desenfreada
e controlada
para explorar
sua carne
seu couro
e os criar
em cativeiros
e colocar máquinas sanguessugando eternamente o leite de suas fêmeas:
ditadura mórbida.
Feito como se
o Homem
fosse o
Rei
e dissesse que o
Leão o é
(para disfarçar sua tirania).
Feito como se
Derrida já não
tivesse dito
isso tudo
antes.
Feito um
antes
eternamente antes
que se metamorfoseasse em depois.
E não há esperança:
o ser humano é
despótico
e assim será
até o último
dia de vida na
terra.
Não é
conformismo
nem pessimismo
nem resignação consternada.
É a nitidez
da realidade
que se impõe
feito um troféu
ao predador-mor
construído e
concedido
pelo próprio predador-mor
nessa narcísica
automasturbação do ego
de um ser que não passa de um tubo digestivo incrementado.
domingo, 15 de agosto de 2010
Meu inconsciente está a um passo a frente de mim
mas as pistas que ele fornece são escorregadias
e ele as oferece com uma mão para tomar com a outra -
ele que talvez tenha inúmeros tentáculos como um pluripolvo -
desvelando para logo
após velar
trancando
a verdade
num baú e o
jogando no fundo do mar.
mas as pistas que ele fornece são escorregadias
e ele as oferece com uma mão para tomar com a outra -
ele que talvez tenha inúmeros tentáculos como um pluripolvo -
desvelando para logo
após velar
trancando
a verdade
num baú e o
jogando no fundo do mar.
terça-feira, 10 de agosto de 2010
Ração
a minha alma era uma lente que distorcia as imagens.
antes as cores podiam ser mais intensas.
agora são mais exatas.
agora a vida é insípida
- sem as cores das emoções.
agora que o grau está ajustado
tudo é tão nítido quanto tedioso.
e a vida escorre com suas horas anódinas.
nenhuma surpresa me espera.
nenhum grande futuro embalado em papel de presente.
só o passado perpassado desdobrando-se sem grandes novidades.
só uma grande ausência.
só.
só o passado repetindo-se sem o deslumbramento da infância
e a promessa da adolescência.
só essa vida crua e sem tempero
que somos obrigados a digerir.
a saliva é o único condimento.
meu cérebro já não se sacia com a endorfina.
o glacê é só purpurina:
brilha mas não adoça.
brilha de um brilho baço
e opaco
como o das pérolas
verdadeiras.
porque a verdade não tem nenhum brilho:
é crua e lisa.
se áspera fosse
traria alguma emoção.
mas é lisa
feito uma cara sem expressão
de um cão sempre a esperar seu osso
e recebendo no seu lugar sua ração
insossa de todos os dias
de todos os dias sem sal
desse eterno dia que se desenrola
feito um presente único
sem passado nem futuro
sem horas a escorrer
dos ponteiros
dos relógios moles
amolecidos pelo tédio diário
de apontar as horas falsas
de instantes transformados em algarismos
feito uma eterna conveção
inútil
como todas as convenções.
inútil
como a civilização
greco-romana.
(se asteca fosse
talvez fosse
a mesma
meleca!
A mesma bosta
o mesmo catarro
eterno
a brotar das narinas
até que elas ardam!)
inútil
como a
existência humana.
eterno tédio.
antes as cores podiam ser mais intensas.
agora são mais exatas.
agora a vida é insípida
- sem as cores das emoções.
agora que o grau está ajustado
tudo é tão nítido quanto tedioso.
e a vida escorre com suas horas anódinas.
nenhuma surpresa me espera.
nenhum grande futuro embalado em papel de presente.
só o passado perpassado desdobrando-se sem grandes novidades.
só uma grande ausência.
só.
só o passado repetindo-se sem o deslumbramento da infância
e a promessa da adolescência.
só essa vida crua e sem tempero
que somos obrigados a digerir.
a saliva é o único condimento.
meu cérebro já não se sacia com a endorfina.
o glacê é só purpurina:
brilha mas não adoça.
brilha de um brilho baço
e opaco
como o das pérolas
verdadeiras.
porque a verdade não tem nenhum brilho:
é crua e lisa.
se áspera fosse
traria alguma emoção.
mas é lisa
feito uma cara sem expressão
de um cão sempre a esperar seu osso
e recebendo no seu lugar sua ração
insossa de todos os dias
de todos os dias sem sal
desse eterno dia que se desenrola
feito um presente único
sem passado nem futuro
sem horas a escorrer
dos ponteiros
dos relógios moles
amolecidos pelo tédio diário
de apontar as horas falsas
de instantes transformados em algarismos
feito uma eterna conveção
inútil
como todas as convenções.
inútil
como a civilização
greco-romana.
(se asteca fosse
talvez fosse
a mesma
meleca!
A mesma bosta
o mesmo catarro
eterno
a brotar das narinas
até que elas ardam!)
inútil
como a
existência humana.
eterno tédio.
terça-feira, 27 de julho de 2010
o cogito da colônia
o bico como uma boca córnea
o bico que bica o mesmo alimento que a boca
minhoca é proteína
e dizem que na Itália
os humanos comem pizza de minhoca
os pássaros comem o resto de pão
que a boca humana rejeita
e assim o mesmo alimento
é untado por diferentes salivas
diferentes bocas como superfícies
absorvendo o mesmo alimento
aderindo o mesmo mundo
quando ingerimos o alimento
acrescido da nossa própria ptialina,
isso é uma forma de autofagia:
comemo-nos a nós próprios:
nossas próprias enzimas
nosso autossuco.
somos uma colônia de vermes e bactérias e cromossomos
e por ilusão
nos imaginamos unos
na nossa ignorância ingênua
a nossa mente é uma ficção
o surrealismo de
uma multiplicidade de seres.
nossa imaginação é um poema ao avesso
escrito / cuspido pelas nossas células
revolucionárias.
o bico que bica o mesmo alimento que a boca
minhoca é proteína
e dizem que na Itália
os humanos comem pizza de minhoca
os pássaros comem o resto de pão
que a boca humana rejeita
e assim o mesmo alimento
é untado por diferentes salivas
diferentes bocas como superfícies
absorvendo o mesmo alimento
aderindo o mesmo mundo
quando ingerimos o alimento
acrescido da nossa própria ptialina,
isso é uma forma de autofagia:
comemo-nos a nós próprios:
nossas próprias enzimas
nosso autossuco.
somos uma colônia de vermes e bactérias e cromossomos
e por ilusão
nos imaginamos unos
na nossa ignorância ingênua
a nossa mente é uma ficção
o surrealismo de
uma multiplicidade de seres.
nossa imaginação é um poema ao avesso
escrito / cuspido pelas nossas células
revolucionárias.
quinta-feira, 15 de julho de 2010
Por aqui
Só há um único caminho a ser traçado
mas sempre há também os que insistem em percorrer as margens
os trajetos paralelos
como moscas a pousarem
nos restos de alimentos
e nas bostas fétidas
e depois destas nos
alimentos a serem ingeridos
pela
boca humana,
ávida
goela sorvedoura
de sorvetes ferventes em caldas
viscosas.
Sempre haverá os que forçam a passagem
dos caminhos proibidos
condenados
e se precipitam
no abismo
evidente
dos caminhos indicados.
Todas as setas apontam para
UM.
Mas há sempre um andarilho curioso
ávido por novas veredas
do ser.
Grandes ou
pequenas
mas sempre aquela viela escura
entre barracos
e atravessada
pela fossa aberta
ou o deserto
como um grande trajeto
não delineado
todo ele uma estrada
refletindo em cada grão translúcido
o brilho do sol amargo
povoado assim
de milhares micro-espelhos
tagarelos
como farelos
evitados
pela ave faminta
que prefere os
corpos que se putrefazem
ao vento.
Cada micro-espelho
reflete um raio incandescente
formando
inúmeros poros transpirando
enzimas acrobáticas
de se satisfazerem
incontidas
pelo relevo
incauto
das dunas de farelos.
O deserto
como uma imensa
garganta.
O anti-caminho
dos caminhos.
Rasurado
pergaminho.
Como as flores mínimas
de cada pele incandescente.
Imensa pele dourada
descamando
brotoejas
insípidas.
mas sempre há também os que insistem em percorrer as margens
os trajetos paralelos
como moscas a pousarem
nos restos de alimentos
e nas bostas fétidas
e depois destas nos
alimentos a serem ingeridos
pela
boca humana,
ávida
goela sorvedoura
de sorvetes ferventes em caldas
viscosas.
Sempre haverá os que forçam a passagem
dos caminhos proibidos
condenados
e se precipitam
no abismo
evidente
dos caminhos indicados.
Todas as setas apontam para
UM.
Mas há sempre um andarilho curioso
ávido por novas veredas
do ser.
Grandes ou
pequenas
mas sempre aquela viela escura
entre barracos
e atravessada
pela fossa aberta
ou o deserto
como um grande trajeto
não delineado
todo ele uma estrada
refletindo em cada grão translúcido
o brilho do sol amargo
povoado assim
de milhares micro-espelhos
tagarelos
como farelos
evitados
pela ave faminta
que prefere os
corpos que se putrefazem
ao vento.
Cada micro-espelho
reflete um raio incandescente
formando
inúmeros poros transpirando
enzimas acrobáticas
de se satisfazerem
incontidas
pelo relevo
incauto
das dunas de farelos.
O deserto
como uma imensa
garganta.
O anti-caminho
dos caminhos.
Rasurado
pergaminho.
Como as flores mínimas
de cada pele incandescente.
Imensa pele dourada
descamando
brotoejas
insípidas.
sábado, 10 de julho de 2010
Do diabo
Se eu não dedicasse tanto do meu tempo ao que os advogados chamam de "cultura inútil" e, pejorativamente, de "poesia", talvez eu fosse alguém na vida. Quem sabe, uma advogada? Sérgio Buarque de Holanda já falava, e isso se referindo a tempos ainda anteriores à época dele, que esse é o país dos advogados. Não mudou nada, Buarque!
(claro que o advogado, na carreira jurídica, é o mais "ralé" e o Sérgio Buarque de Holanda estava se referindo a todos os bacharéis em Direito)
(claro que o advogado, na carreira jurídica, é o mais "ralé" e o Sérgio Buarque de Holanda estava se referindo a todos os bacharéis em Direito)
sexta-feira, 9 de julho de 2010
Sabe qual o nome do fruto do carvalho?
Eu costumava gostar de árvores quando a seiva elaborada corria em minhas veias. Mas agora estou cadavérica e o carvalho é seco e não dá mais sombra, e os líquens que haviam em seu tronco fugiram rastejando como aves selvagens. Onde havia copa agora só há galhos pontiagudos que jamais deram frutos, pois há sementes que já nascem abortadas. Há árvores que não prestam nem para lenha. Nem para virar combustível de uma lareira numa noite fria de inverno. Até os cupins desprezam sua carne amarga!
Ficam só enfeiando a paisagem e servindo de obstáculo.
Suas raízes sanguessugam os minerais e tornam a terra improdutiva.
A aridez já é quase um deserto e o vento não vem mover os grãos de areia. Tudo imóvel como uma morte de algo que jamais tivesse nascido.
domingo, 4 de julho de 2010
Jogo de xadrez
Meus cabelos não enganam tão bem, mas já que a cor de minha pele (a maioria concorda que eu sou branca, embora já tenham me definido como "amarela") é por demais etnocêntrica, talvez simplesmente por isso, por eu ser branca, sou uma criminosa, nesse mundo em que a guerra está declarada e que não por acaso as peças do jogo de xadrez são brancas e pretas (ou pretas e brancas, se é que a ordem de citação também não indica um etnocentrismo de minha parte).
Talvez realmente eu seja culpada por meus genes serem tão eurocêntricos e terem selecionado essa cor, já que meu avô, enquanto estava lúcido, insistia em nossa descendência afro, que pode ser que tenham intencionalmente riscado do mapa. A ascendência indígena pelo menos deixou rastros mais facilmente identificáveis: na casa dos meus avós há uma foto da mãe do meu avô: uma perfeita índia. E minha tia e minha prima e meu irmão têm traços de índios. Mas uma outra prima tem cabelos ainda mais afros que os meus, confirmando o que meu avô sempre afirmou. Claro que essa minha prima pode ter herdado seus cabelos afro do outro polo de sua árvore genealógica, mas acredito no meu avô, que agora já não está mais lúcido, já nem posso perguntar quem era o tal antepassado negro, mas talvez nem ele soubesse, senão teria dito à minha avó, que também não sabe dizer quem foi.
Mas como eu dizia, embora eu seja assim, vira-lata na essência genética, talvez eu seja culpada por ser branca na aparência (fenótipo), com essa cara de "francesinha" que já me acusaram ter. Afinal, segundo os kardecistas, algumas pessoas têm o privilégio de escolher, antes de nascer, como será seu corpo físico. Nesse caso a responsabilidade seria inteiramente minha, escolhendo os genitores mais adequados para tecerem meu conjunto de células.
E, no jogo de xadrez, não foi previsto o meio-termo: o rei branco come a rainha negra, mas desse estupro não nasce ninguém.
E a guerra está declarada e milhões de jogos de xadrez são jogados pelo mundo afora (mundo no qual uma elite branca dita as regras e detém a parte mais significativa do poder econômico, mundo no qual o continente europeu bebeu na fonte de conhecimentos da África - e não só do Egito que eles nos fazem acreditar que é branco - e depois espalha a mentira de que o mérito é todo seu, ou, quando reconhece que foi influenciada, "se parabeniza por ser tão cosmopolita"), e o quê fazer com o resquício da guerra, digo, os filhos miscigenados gerados dos estupros (considerando, como diz Derrida, que num relacionamento erótico a figura do estupro nunca é totalmente apagada, e que há o que se convenciona chamar de estupro e todos aceitam que assim o é, e há as situações em que tudo é mais sutil)? Como as peças serão reposicionadas num mundo que insiste em somente permanecer entre dois polos? E no qual somos julgados pela nossa cor sem se considerarem nossa árvore geneálogica - que alguns se esforçaram por rasurar, mas cuja rasura não nos diz respeito -?
Se passo a me definir como "negra", vão me acusar de estar visando alguma cota em algum lugar, além de estar negando meu antepassado índio e - tenho que assumi-lo - europeu.
Os cães, na escala do cinza, são mais perspicazes que os humanos para perceberem nuances. Talvez os cães, se projetassem jogos de xadrez, criassem mais de dois exércitos.
Na Índia, os que nascem dos relacionamentos entre duas castas distintas são os impuros, que contaminam tudo o que tocam com sua impureza e portanto ficam seccionados do restante da sociedade, e também são os únicos a quem é permitido comer de tudo, ou seja, não sofrem nenhuma restrição alimentar. O que não é considerado privilégio, mas ignomínia. São tão impuros que nada os degradaria mais, nem mesmo comer carne de vaca.
Talvez eu esteja condenada a viver na mesma marginalidade, na fronteira entre dois polos que se odeiam. Posso me refestelar com o banquete completo, se tiver acesso a ele, mas para isso tenho que sobreviver às balas que são atiradas dos dois lados.
Essa é a situação não só dos mestiços, mas da classe média mesma: amortecedora de impactos, papel que ela cumpre muito bem, ao enganar os pobres se fazendo de rica e satisfazer aos ricos trabalhando para eles como os pobres que realmente são.
Talvez por isso nos odeiem com razão, e nos declarem guerra!
Ficamos na corda bamba e damos um nó na corda, ao invés de nos decidirmos por suas extremidades.
Problema que provavelmente não durará muito: a classe média está cada vez mais desfalcada. A questão é que ela não perde a pose. Continua fazendo seu papel de fachada. A fachada está toda esburacada, mas ela tampa os buracos com pasta de dente, pinta de dourado e fala que é ouro. Alguns acreditam piamente que é ouro. Outros odeiam nossa hipocrisia dourada!
domingo, 27 de junho de 2010
Abismo
É triste a constatação, mas eu não posso fugir de mim mesma. Eu tenho medo de mim. Eu sou um abismo, uma cratera, um poço profundo, uma criatura abissal e autofágica, que se autoflagela como uma lesma que lambesse sal.
segunda-feira, 21 de junho de 2010
Bela homenagem
A cidade de Vitória, com essa greve dos lixeiros, está quase igual à situação retratada no Ensaio sobre a cegueira. (É claro que os lixeiros têm todo o direito de fazer greve e não merecem receber um salário miserável para exercer tão importante trabalho. Não estou falando que a homenagem é feita por eles, entenda-se bem).
sábado, 19 de junho de 2010
Nu
O mundo está tão claro
e eu estou tão cega!
Nem meu terceiro olho
nem meu quarto ânus
nem meu tato
me servem.
Estou nua
como um olho nu
e despido
ou obnubilado por sete véus
de nuvens densas e foscas
que refletem o sol
e tragam sua luz
na opacidade
de um mineral rajado,
como a grade
de uma cela
estreita
e cerrada
pelas trevas.
Estou tão nua
mas ninguém enxerga a minha nudez.
Eu ando pelas ruas
e é como se eu estivesse
vestida.
Ninguém me vê.
Mas eu tampouco enxergo.
E a pálpebra
é a primeira cortina
dessa câmara escura
que encerra
os tumultos mais devassos
e insanos
como a pedir
que ataquem
pedra.
O orifício
ofusca
a falta
e o cisco
faz lacrimejar
esse olho denso
e mineral
que, nu
desprotege a alma
e vela pela morte exata
da crua existência opaca
das rochas imperiais
que rolam do penhasco.
Cratera!
Meu olho é côncavo
como uma terceira caverna
que encerre fósseis distintos.
E o nanquim é parco
para todas essas pinturas
rupestres
que descascam
das paredes rochosas
como lágrimas a derramar
escorrendo
feito um rio caudaloso
e um pouco desastrado
na sua enchente
que enche as várzeas vastas.
Nunca eu fui tão vista
pelo olho redondo
que brota
por entre
as pálpebras
pobres
da parábola.
E a elipse
é incrédula
e a cegueira é tátil
mas pro tato é fácil
fingir que vê.
O olho é desprotegido
mas
onisciente
me rastreia
me persegue
me capta
em cada microssegundo
em cada piscadela
e quando eu menos espero
sou pinçada
para fora
dessa tela
de cristal líquido.
O olho é líquido
e o líquen
é nefasto
como o flúor
do nenúfar.
O olho caga
a lágrima
e se empanturra
de remelas
está pregado
de crostas de remelas
e se refestela
com o mel delas.
O olho delas
veem a vidraça
que reflete
a desgraça
alheia.
E o elo
da lã
é veludo
esgarçado
como um farrapo
desbotado
desabotoado
pela visão
insípida
e insuficiente
desse olho nu
e ineficiente.
e eu estou tão cega!
Nem meu terceiro olho
nem meu quarto ânus
nem meu tato
me servem.
Estou nua
como um olho nu
e despido
ou obnubilado por sete véus
de nuvens densas e foscas
que refletem o sol
e tragam sua luz
na opacidade
de um mineral rajado,
como a grade
de uma cela
estreita
e cerrada
pelas trevas.
Estou tão nua
mas ninguém enxerga a minha nudez.
Eu ando pelas ruas
e é como se eu estivesse
vestida.
Ninguém me vê.
Mas eu tampouco enxergo.
E a pálpebra
é a primeira cortina
dessa câmara escura
que encerra
os tumultos mais devassos
e insanos
como a pedir
que ataquem
pedra.
O orifício
ofusca
a falta
e o cisco
faz lacrimejar
esse olho denso
e mineral
que, nu
desprotege a alma
e vela pela morte exata
da crua existência opaca
das rochas imperiais
que rolam do penhasco.
Cratera!
Meu olho é côncavo
como uma terceira caverna
que encerre fósseis distintos.
E o nanquim é parco
para todas essas pinturas
rupestres
que descascam
das paredes rochosas
como lágrimas a derramar
escorrendo
feito um rio caudaloso
e um pouco desastrado
na sua enchente
que enche as várzeas vastas.
Nunca eu fui tão vista
pelo olho redondo
que brota
por entre
as pálpebras
pobres
da parábola.
E a elipse
é incrédula
e a cegueira é tátil
mas pro tato é fácil
fingir que vê.
O olho é desprotegido
mas
onisciente
me rastreia
me persegue
me capta
em cada microssegundo
em cada piscadela
e quando eu menos espero
sou pinçada
para fora
dessa tela
de cristal líquido.
O olho é líquido
e o líquen
é nefasto
como o flúor
do nenúfar.
O olho caga
a lágrima
e se empanturra
de remelas
está pregado
de crostas de remelas
e se refestela
com o mel delas.
O olho delas
veem a vidraça
que reflete
a desgraça
alheia.
E o elo
da lã
é veludo
esgarçado
como um farrapo
desbotado
desabotoado
pela visão
insípida
e insuficiente
desse olho nu
e ineficiente.
Cinismo
Para dizer que sempre soube "negociar com Saramago com flexibilidade", ou qualquer coisa do nível, a Igreja só pode ser, como o próprio Saramago a definiu, cínica.
sexta-feira, 18 de junho de 2010
Pedra no sapato
Alguém comentou assim, no jornal O globo, sobre a morte do Saramago: "Um comunista a menos no mundo. Deus tenha piedade de sua alma." Pois o Saramago tinha essa qualidade de ser a pedra no sapato das pessoas, ou, como diz João Cabral de Melo Neto, a pedra no feijão, aquela pedra intragável que desce goela abaixo contra a "nossa" vontade, a necessária pedra que precisa emperrar as engrenagens dessa sociedade caótica que o escritor português tão bem retratou em Ensaio sobre a cegueira. Pois eu digo: "Deus tenha piedade da Igreja Católica, por ter cometido tantas crueldades em seu Nome e por perseguir os lúcidos, com seu caquético catecismo".
sábado, 12 de junho de 2010
Loba virgem
Eu sinto meu focinho açoitado pelo ventro frio, eu sinto o meu focinho! Minhas patas estão na neve. Eu toco as minhas patas umas com as outras, eu toco meu focinho com uma das patas, eu me toco toda! Nem que para isso eu use de minha língua eficaz! Pobres humanos, que não podem fazer sexo oral neles mesmos! Sou virgem, mas eu me toco. Me toco com o toco de madeira. E também já me diverti com muitos lobos por aí! Mas eles dizem que sou a "eterna virgenzinha" deles, não que eu não pegue fogo com eles, mas isso é conversa nossa, só entre os lobos! Dizem que uma humana homônima minha ouvia vozes e se matou, coitada! Espero um destino melhor pra mim, uma morte digna, ao caminhar na estepe, ser atacada por um predador e morrer para alimentá-lo. Afinal, a cadeia alimentar não pode parar e eu tenho consciência da minha existência transitória em função dela. Mas me atirar do alto de um penhasco, isso eu não faço, não! Dá, licença, queridos leitores, que vou me encontrar com o Lobo da Estepe, meu lobinho preferido!
sexta-feira, 11 de junho de 2010
Na curva da espiral
Somos instados desde o ensino fundamental a ler os cânones da literatura, mas aqueles autores novos, que estão no mercado e ainda não provaram resistir e persistir às "dobras do tempo" e não receberam o carimbo de autenticação da crítica especializada, mas nos seduzem com seus títulos sagazmente tecidos com os quais nos deparamos nas prateleiras das livrarias, formam como que uma terceira margem, entre o decididamente imprestável e o de qualidade homologada.
Um bom título não é tudo, mas diz muito do poder de condensação e de síntese do autor, além de, junto com um bom visual da capa - e há editoras que são "experts" nisso - ser o que nos fisga.
Claro que, para aqueles ratos de sebo, o livro sendo o fetiche que é, muitas vezes não importa se ele está caindo aos pedaços, amarelado e até roído.
Mas cada leitor, leigo ou não, é um crítico a seu modo e vai peneirando o que lê, e é claro que há muito barro entre o ouro.
Mas somos ambiciosos, estamos sempre ávidos pela pepita e às vezes vemos brilhar algo que depois se revela ser apenas um caco de vidro refletindo a luz do sol.
Distinguir o joio do trigo e as várias gradações que há entre o joio e o trigo demanda maturidade, o que requer experiência, que por sua vez é necessariamente solitária. Cada um deve seguir seu próprio caminho e não atravessar somente as veredas apontadas.
O critério, nós o adquirimos individualmente, claro que nunca originalmente, e sim de acordo com o que já foi produzido, pensado, discutido e analisado. Sempre há um resquício cultural que nos permite nunca sermos inteiramente originais, mas a seleção é totalmente pessoal. Há influência exercida por quem temos afinidade, mas lá no nosso cerne, ousamos discordar daquele crítico de renome ou daquela pessoa que admiramos, o que, obviamente, pode ser transitório. Vamos atravessando escalas mais ou menos densas, sorvendo o sumo de cada essência e assim depurando o nosso ser nessa hélice espiralada que é a vida, ilustrada exemplarmente pelo nosso DNA.
Uma boa obra pode condensar a curva da espiral, como uma lente de aumento para nossos sentidos, e não só para a visão. E para detectar uma boa obra, nessa enxurrada de lançamentos, contamos com o nosso faro que, como o de um cão, é condicionado geneticamente e portanto compartilhado com toda a sua espécie, mas, ao mesmo tempo, tem o seu toque individual, indissociável do coletivo, mas único.
Por outro lado, tudo é mercadológico, há gradações também de leitores e cada autor quer conquistar a sua fatia de mercado. Por falar em mercado, já vi Saramago, o prêmio Nobel - o que também é totalmente mercadológico - sendo vendido no supermercado. Há o público considerado "cult", que é tão consumidor quanto quem lê Crepúsculo, nivelação que não faz com que o leitor "cult" deixe de se sentir superior. O que há é simplesmente o público que segue o que o meio acadêmico considera bom e canoniza, e o público que compra o que algum "psicólgo das massas" confeccionou especialmente para ele (de uma forma ou de outra, há alguém interferindo nas nossas escolhas. Realmente, ninguém é autossuficiente nesse mundo!). Mas cada autor que venda seu peixe, bacalhau ou merluza, para cada qual há seu público específico. E não adianta algum gourmet dizer que bacalhau é melhor. Sempre vai haver o consumidor de merluza!
terça-feira, 1 de junho de 2010
Morte lenta
vou me trancar
num caixão
e me enterrar
sete palmos abaixo do solo.
afinal, esse é o destino dos defuntos.
mas não sou apetitosa o suficiente para os vermes:
até eles permanecem indiferentes ao meu cadáver!
Mas minha podridão é inata:
não preciso dos vermes
para virar nata!
Vou me liquefazendo pouco a pouco
e meus destroços escorrem
feito um rio, porém não caudaloso
(pois tudo é infértil).
Invejo os répteis
que rastejam sobre a terra
com seu sangue frio:
dançam conforme a melodia
e ignoram a filosofia.
Não calculam os catetos.
Vivem pelos guetos
esquentando suas escamas
passeando em meio à lama.
Vivem enfim uma vida digna.
Já eu estou condenada a essa pseudovida subreptícia
no avesso do eclipse apocalíptico
qual fóssil de pterodátilo
sem potencial para ser combustível.
Na aridez saárica
da brochada siririca
sem gozo sem nada
no oco insípido insosso
da nauseabunda fossa
esgosto desgosto
sem rosto
da esfinge decepada
sem véu
sem créu
sem seu
sem ser
sou só
qual pó
qual cinza
da via láctea
purgando tudo
esse grito mudo
feito cana mutilada
em seus multi-lados:
cem faces
crispadas
ao cuspirem
fotos
fatos
motos
matos
mato-me
e acabo com isso logo de uma vez!
Capim xadrez
qual cutia na vala
pescoço na navalha
bala no ouvido
breve estalido
alívio
lívido
lindo:
tudo
o que quero
em menos de um segundo.
num caixão
e me enterrar
sete palmos abaixo do solo.
afinal, esse é o destino dos defuntos.
mas não sou apetitosa o suficiente para os vermes:
até eles permanecem indiferentes ao meu cadáver!
Mas minha podridão é inata:
não preciso dos vermes
para virar nata!
Vou me liquefazendo pouco a pouco
e meus destroços escorrem
feito um rio, porém não caudaloso
(pois tudo é infértil).
Invejo os répteis
que rastejam sobre a terra
com seu sangue frio:
dançam conforme a melodia
e ignoram a filosofia.
Não calculam os catetos.
Vivem pelos guetos
esquentando suas escamas
passeando em meio à lama.
Vivem enfim uma vida digna.
Já eu estou condenada a essa pseudovida subreptícia
no avesso do eclipse apocalíptico
qual fóssil de pterodátilo
sem potencial para ser combustível.
Na aridez saárica
da brochada siririca
sem gozo sem nada
no oco insípido insosso
da nauseabunda fossa
esgosto desgosto
sem rosto
da esfinge decepada
sem véu
sem créu
sem seu
sem ser
sou só
qual pó
qual cinza
da via láctea
purgando tudo
esse grito mudo
feito cana mutilada
em seus multi-lados:
cem faces
crispadas
ao cuspirem
fotos
fatos
motos
matos
mato-me
e acabo com isso logo de uma vez!
Capim xadrez
qual cutia na vala
pescoço na navalha
bala no ouvido
breve estalido
alívio
lívido
lindo:
tudo
o que quero
em menos de um segundo.
sábado, 22 de maio de 2010
Síndrome do lobo
Eu sou uma leitora naïf, não sou uma crítica literária, mas talvez um leitor naïf fosse exatamente o tipo de leitor que Hermann Hesse desejasse para a sua obra. Pois o mundo dos críticos está povoado de ateus, e os ateus não percebem certas sutililezas e, como o próprio Hesse falou, O lobo da estepe é, antes de tudo, um livro espiritual.
Sou tão naïf que me atrevo a falar de Hesse sem sequer ter lido uma biografia sua, nem mesmo na Wikipédia, que também não é uma fonte tão confiável assim. Mas, como dele também já li Sidarta, além dO lobo da estepe, é deduzível que ele tinha lá sua relação com a "mitologia" oriental. E tem um certo budismo - aliás expresso - nO lobo da estepe. (Eu queria conhecer mais o budismo, parece mesmo ser muito interessante!). Mas a mensagem que Hesse passa em Sidarta é que não é a favor de sermos escravos de uma ideologia - religiosa ou não - qualquer.
O que Hesse deixa a entender nO lobo da estepe que tem sua relação com a religiosidade asiática é a fragmentação da identidade, sendo que ele usou, muito antes de Stuart Hall, a literatura para falar o que Hall disse na teoria, em A identidade cultural na pós-modernidade. Aliás, O lobo da estepe é uma ilustração prévia perfeita dessa teoria.
Talvez a literatura, com seus péssimos exemplos, sirva para que não cometamos os mesmos erros de seus personagens, os quais, ao nos depararmos com sua decadência, devêssemos evitar seguir como inspiração, tomando até mesmo o rumo oposto. Pois o que Harry Haller foi, acima de tudo, foi um covarde! O pior é que esses péssimos exemplos são sempre sedutores, belissimamente construídos, com sua aura humana e com toda a poesia entorno. Mas era mais sensato que nos baseássemos no mais comum dos mortais, simples e feliz - se é que existe alguém feliz (se conhecer alguém nessa situação, avise-me, por favor!) - do que nesses seres extravagantes que trazem em si mesmo uma advertência de não os seguirmos como espelho. Espelho, aliás, é o que, como próprio O lobo da estepe deixa claro, precisamos para refletir a nós mesmos. Sempre.
Sem esquecermos que, apesar da covardia de Harry Haller, no final ele estava disposto a recomeçar tudo outra vez e fazer uma história diferente. Possibilidade da qual nunca podemos esquecer, estejamos nós aos cinquenta, trinta ou setenta anos. O livro passa essa mensagem, a de que mesmo que venhamos seguindo caminhos tortuosos, podemos a qualquer momento escolher novos caminhos. Ninguém está condenado pelo seu passado. Como nos diz o jogador de xadrez do Teatro Mágico: "E a pobre figurinha, que parecia ainda há pouco viver sobre a influência de uma estrela má, poderá converter-se no próximo jogo em uma princesa.". Mais palavras do próprio Hermann Hesse, dessa vez não travestido por nenhum personagem: "(...) a história do Lobo da Estepe, embora retrate enfermidade e crise, não conduz à destruição e à morte, mas, ao contrário, à redenção."
Já disseram que O estrangeiro, do Camus, é "uma espécie um tanto perversa de livro de auto-ajuda". O que talvez também se aplique a O lobo da estepe, com a diferença que, apesar de perversa, é deliciosa. Talvez a literatura seja, toda ela, não a auto-ajuda chinfrim que se vê por aí, mas auto-ajuda em forma de ficção, embora ela não tenha necessariamente que ter caráter pedagógico ou qualquer fim pragmático, podendo ser simples fruição estética.
Sem esquecermos que, apesar da covardia de Harry Haller, no final ele estava disposto a recomeçar tudo outra vez e fazer uma história diferente. Possibilidade da qual nunca podemos esquecer, estejamos nós aos cinquenta, trinta ou setenta anos. O livro passa essa mensagem, a de que mesmo que venhamos seguindo caminhos tortuosos, podemos a qualquer momento escolher novos caminhos. Ninguém está condenado pelo seu passado. Como nos diz o jogador de xadrez do Teatro Mágico: "E a pobre figurinha, que parecia ainda há pouco viver sobre a influência de uma estrela má, poderá converter-se no próximo jogo em uma princesa.". Mais palavras do próprio Hermann Hesse, dessa vez não travestido por nenhum personagem: "(...) a história do Lobo da Estepe, embora retrate enfermidade e crise, não conduz à destruição e à morte, mas, ao contrário, à redenção."
Já disseram que O estrangeiro, do Camus, é "uma espécie um tanto perversa de livro de auto-ajuda". O que talvez também se aplique a O lobo da estepe, com a diferença que, apesar de perversa, é deliciosa. Talvez a literatura seja, toda ela, não a auto-ajuda chinfrim que se vê por aí, mas auto-ajuda em forma de ficção, embora ela não tenha necessariamente que ter caráter pedagógico ou qualquer fim pragmático, podendo ser simples fruição estética.
domingo, 16 de maio de 2010
O novelo embaralhado
Talvez a nossa vida seja um pouco - ou totalmente - como nas narrativas de Mia Couto: a fantasia e a ficção, os sonhos também, se entretecem com a realidade e nessa nuvem espessa originada desse cruzamento, não sabemos mais distinguir o quê é o quê, não há como seccionar o onírico e o improvável daquilo que convencionamos chamar de "realidade". Nossa memória é um tricô de muitas lãs, e não somos argutos o suficiente para separar os fios, somos os eternos obnubilados...
A neblina atrapalha a visão e temos que ter cuidado para que esse sonambulismo não nos impeça de reconhecer o quebra-cabeça do poder, e examinar peça por peça.
Quebra-cabeça que mais parece a Vila Cacimba, lugar em que sempre tem um querendo passar a perna. Só que, fictícia ou não, situa-se em Moçambique, país pobre, e seus miseráveis habitantes - os de Vila Cacimba, onde se passa o romance Venenos de Deus, remédios do Diabo, do escritor moçambicano Mia Couto - inventam várias histórias, muitas vezes uma negando a anterior, enfim, essa confusão toda eles armam como meio de conseguir dinheiro dos estrangeiros que lá chegam. São os miseráveis 171.
Já no quebra-cabeça do poder, ao qual me referi, são os grandes maquinando como vão passar a perna no povo. É a "chissila", palavra moçambicana que significa maldição!
A neblina atrapalha a visão e temos que ter cuidado para que esse sonambulismo não nos impeça de reconhecer o quebra-cabeça do poder, e examinar peça por peça.
Quebra-cabeça que mais parece a Vila Cacimba, lugar em que sempre tem um querendo passar a perna. Só que, fictícia ou não, situa-se em Moçambique, país pobre, e seus miseráveis habitantes - os de Vila Cacimba, onde se passa o romance Venenos de Deus, remédios do Diabo, do escritor moçambicano Mia Couto - inventam várias histórias, muitas vezes uma negando a anterior, enfim, essa confusão toda eles armam como meio de conseguir dinheiro dos estrangeiros que lá chegam. São os miseráveis 171.
Já no quebra-cabeça do poder, ao qual me referi, são os grandes maquinando como vão passar a perna no povo. É a "chissila", palavra moçambicana que significa maldição!
quinta-feira, 13 de maio de 2010
Carnificina de elite
A tropa está armada, devidamente preparada para a limpeza étnica e social: "Vamos varrer do mundo essa gente negra e pobre!", eles pensam.
terça-feira, 11 de maio de 2010
O menor
Eu vinha pela rua, sombrinha na mão, manga da blusa e barra da calça molhadas pela chuva que escorria do céu, quando avistei um menor encolhido na calçada. Continuei meu trajeto. A sombrinha atrapalhava um pouco o meu campo de visão e, quando dei por mim, o menor já estava ao meu lado. Ele falou qualquer coisa e depois disse: "Volta!". Eu, que tenho lido sobre a proteção aos meninos de rua, na minha ingenuidade não acreditei à primeira vista que se tratava de um assalto. Pensei que ele poderia estar querendo me proteger de algo sinistro que estivesse ocorrendo na continuidade do meu trajeto. Comecei a voltar e, como se o olhasse interrogando-o (a partir daqui não lembro exatamente a ordem dos acontecimentos), ele disse "me dá celular ou dinheiro". A partir desse momento, voltei outra vez ao meu trajeto original. Havia alguns transeuntes à frente, e o menor era impotente demais para fazer qualquer coisa contra mim. Não lembro se ele me chutou antes ou depois de eu ter dito que estava sem celular - e estava mesmo! -, mas foi um chute fraco, nem doeu. Desvencilhei-me dele sem maiores problemas. Por força das circunstâncias tenho lido sobre os problemas dos menores. Isso não me toca mais tanto assim. Mas, o menino que tentou me assaltar, não o odeio, mas também não o amo, talvez mal sinta pena dele, se sinto, é uma pena consciente, consequência das leituras que tenho feito, mas isso não toca meu coração, que anda adormecido ou cego (talvez meu amigo tenha razão: talvez ele - o meu coração - seja de pedra!). Mas, sinceramente, não desejo que esse menor seja internado no IASES, que, para quem não sabe, é uma espécie da antiga FEBEM, ou seja, o inferno! Tampouco vejo esperança para ele! Se pudesse, talvez até o adotasse, mas mal posso sustentar a mim mesma! Sim, é uma pena consciente: ele era só uma pobre criança!
domingo, 9 de maio de 2010
A realidade da maternidade
Dizem que as mulheres que não querem ser mães são egoístas, pois egoístas são aquelas que fazem vir à tona um ser só para preencher seu próprio vazio, e o tecem como a uma marionete, depois, quando - pinóquio - o boneco descobre que tem vida própria e aparece sua personalidade, ele - o ser - já não lhes interessa mais, é só mais um ser nesse mundo de estranhos uns aos outros!
domingo, 2 de maio de 2010
Cemitério
O fracasso a que você me condenou
eu o vivo a cada dia.
Do alho do meu sangue
é sugada a maisvalia.
Aquela batida de porta na sua cara
você me devolveu
instalando o inferno nas minhas vísceras
e a náusea eu a sinto até o último grau.
Vou descendo ao fundo do poço
de degrau em degrau.
A desgraça é o cotidiano mingau
que sorvo
e a água é turva
e a migalha exausta.
Eu tenho areia nos olhos
e meus poros
estão entupidos de argila
e a cratera é viscosa
mas ninguém vem visitá-la.
Só porque você não sorveu de mim
naquela vida antiga
em que eu tinha sonhos.
Mas estou acordada
em pleno pesadelo pegajoso
e mofado
como convém
aos antiquários.
Ninguém
vem
visitar
esse
cemitério.
Os cadáveres já estão roídos
e só restam
ossos
nessa
terra
árida.
E não há flores sobre o túmulo.
Ninguém as depositou.
eu o vivo a cada dia.
Do alho do meu sangue
é sugada a maisvalia.
Aquela batida de porta na sua cara
você me devolveu
instalando o inferno nas minhas vísceras
e a náusea eu a sinto até o último grau.
Vou descendo ao fundo do poço
de degrau em degrau.
A desgraça é o cotidiano mingau
que sorvo
e a água é turva
e a migalha exausta.
Eu tenho areia nos olhos
e meus poros
estão entupidos de argila
e a cratera é viscosa
mas ninguém vem visitá-la.
Só porque você não sorveu de mim
naquela vida antiga
em que eu tinha sonhos.
Mas estou acordada
em pleno pesadelo pegajoso
e mofado
como convém
aos antiquários.
Ninguém
vem
visitar
esse
cemitério.
Os cadáveres já estão roídos
e só restam
ossos
nessa
terra
árida.
E não há flores sobre o túmulo.
Ninguém as depositou.
quarta-feira, 28 de abril de 2010
terça-feira, 20 de abril de 2010
Escorpião
O queijo está logo ali.
Junto com ele, o desejo.
Mas o rato é estúpido demais
para ver
a
ratoeira.
Junto com ele, o desejo.
Mas o rato é estúpido demais
para ver
a
ratoeira.
segunda-feira, 12 de abril de 2010
quando ele me perguntou
se eu queria sair do ude-grude
dei-lhe aquela resposta rude
na mais coerente atitude
que um ciborgue poderia ter
- mas vc vai ficar
só nessa vida de blogue?
ao que eu resolvi o imbróglio
dando-lhe uma cusparada na cara
e bofeteando-o com a bíblia do Debord:
do ude-grude eu sou a Rainha-mor.
se eu queria sair do ude-grude
dei-lhe aquela resposta rude
na mais coerente atitude
que um ciborgue poderia ter
- mas vc vai ficar
só nessa vida de blogue?
ao que eu resolvi o imbróglio
dando-lhe uma cusparada na cara
e bofeteando-o com a bíblia do Debord:
do ude-grude eu sou a Rainha-mor.
domingo, 11 de abril de 2010
Privatização
todas aquelas vísceras metralhadas, as balas alojadas naquelas tripas longilíneas, o sangue escorrendo feito um melado pelo chão, o continente que não contém mais todos aqueles odores fétidos, gases nauseabundos fazendo pressão, o esfíncter é o ego fecal, indeciso entre o ventre e a privada (que, com certeza, é uma das melhores invenções da humanidade), essa goela ávida e gulosa sempre a sorver nossos mais podres produtos, como uma santa purificando nossas lastimáveis mazelas: viva o vaso sanitário, privativa iniciativa privada, privatizada para nos proteger das nossas mais íntimas situações, sendo o inverso do universo da analogia.
Sinto muito
Pedro Einstein, aceitei seu comentário, mas como estava logada em outra conta do gmail, ele se perdeu. Espero que compreenda e, se quiser comentar de novo, eu aceito novamente.
Posta
Posto que post, posto essa posta de peixe, essa bosta em feixe, esse porco enfeite. Como cheguei a esse ponto? Em ponto de bala, posto o ponto final.
sexta-feira, 9 de abril de 2010
Escrever: escravidão
O ato de escrever, do qual sou escrava, impõe-se soberanamente à sua serva, servidão de palavras: visto meu avental, caneta em punho, a caneta é um punhal que apunhalo na folha macia do papel, eu estupro o papel com a fálica caneta, o papel branco de pureza, qual uma virgem - sei que é paródia - eu apunhalo freneticamente o papel, como se quisesse assassiná-lo. Escrever é um ato de violência. Quem lê nunca fica imune.
domingo, 4 de abril de 2010
Fina e nossa
Em tudo eu sinto o gosto de nada
de sorvetes ocos, limonadas
de escassos limões, e mais e mais água
nessa antifesta
que é domingo de Páscoa
tecida com milhões de ocos ovos de chocolate
na sua concavidade
anticonvidativa:
Chocolate
que será
digerido
e
devidamente
processado
pelo tubo digestivo
e então
eliminado
numa diarreia universal.
E o manto de fezes de chocolate cobrirá o globo
com suas ondas marrons
e
nauseabundas
e
quem sabe
assim
afunda
nossos
mais
rasos
anseios
por
endorfina
(adquirida
tão
precariamente,
por chocolates
de má qualidade
que eles envolvem
em papéis coloridos
e brilhosos
e vendem
como se ouro fossem).
Ouro fosco
metamorfoseado
em cocô áureo
(dinheiro é convertido em
chocolate
que
se transforma em
fezes).
Dinheiro compra fezes.
Fezes douradas
que são o
resíduo indesejado
da nossa busca
por um
pouco
de
endorfina.
Endorfina
Endorgrossa
Exótica
ou
menina
Ela é um pouco minha.
Ela é um pouco nossa.
Pequena reação química
desatada
por pequena dose de açúcar via láctea
por heroína direto na veia
por espasmos freneticamente alcançados
e sempre
nos deixa
pasmos
diante do
abismo.
Pequeno sismo
subcutâneo
e
intracrânico.
Deusa-mor
e breve
sempre desejada
constante
e sucessivamente
ativada
por cada
trago
sem embargo
da sensação de tonteira
que a maré está cheia
e a nau balança
e assim o enjoo
os olhos baços
a pança cheia
o nó no laço
a náusea sã
da nau maçã
mordida crua
e o suco escorre
por entre os dedos...
Doce degredo.
de sorvetes ocos, limonadas
de escassos limões, e mais e mais água
nessa antifesta
que é domingo de Páscoa
tecida com milhões de ocos ovos de chocolate
na sua concavidade
anticonvidativa:
Chocolate
que será
digerido
e
devidamente
processado
pelo tubo digestivo
e então
eliminado
numa diarreia universal.
E o manto de fezes de chocolate cobrirá o globo
com suas ondas marrons
e
nauseabundas
e
quem sabe
assim
afunda
nossos
mais
rasos
anseios
por
endorfina
(adquirida
tão
precariamente,
por chocolates
de má qualidade
que eles envolvem
em papéis coloridos
e brilhosos
e vendem
como se ouro fossem).
Ouro fosco
metamorfoseado
em cocô áureo
(dinheiro é convertido em
chocolate
que
se transforma em
fezes).
Dinheiro compra fezes.
Fezes douradas
que são o
resíduo indesejado
da nossa busca
por um
pouco
de
endorfina.
Endorfina
Endorgrossa
Exótica
ou
menina
Ela é um pouco minha.
Ela é um pouco nossa.
Pequena reação química
desatada
por pequena dose de açúcar via láctea
por heroína direto na veia
por espasmos freneticamente alcançados
e sempre
nos deixa
pasmos
diante do
abismo.
Pequeno sismo
subcutâneo
e
intracrânico.
Deusa-mor
e breve
sempre desejada
constante
e sucessivamente
ativada
por cada
trago
sem embargo
da sensação de tonteira
que a maré está cheia
e a nau balança
e assim o enjoo
os olhos baços
a pança cheia
o nó no laço
a náusea sã
da nau maçã
mordida crua
e o suco escorre
por entre os dedos...
Doce degredo.
quinta-feira, 1 de abril de 2010
Zoosfera (ignorando o aspecto lendário da data)
A internet é um verdadeiro zoológico humano: cada blogueiro / twitteiro / etc na sua respectiva jaula, aberta a visitação. Afinal, como disse Dawkins, na esteira de Darwin, embora algumas pessoas se considerem "mais etéreas" do que os outros animais só porque tem a faculdade de raciocinar, somos, todos os seres humanos, tão evoluídos quanto os chimpanzés (e menos que as jurássicas tartarugas). O fato de sermos capazes de abstrair de várias maneiras, as quais julgamos mais ou menos complexas (de acordo com nos diferenciarem mais ou menos dos demais animais, conforme o caso), não nos põe num degrau superior numa escada rumo à divindade. Mas nos achamos o máximo porque temos mais células que uma ameba, que no entanto pode nos destruir facilmente, ou no mínimo causar uma boa dor de barriga! Viva a ameba, o musgo e o fungo, e abaixo o especismo!
Apesar dos parênteses no título, sei que para muitos isso soará mera brincadeira (e ainda por cima de mau gosto!), blasfêmia, lorota, contrassenso, ou seja lá que nome queiram lhe dar os sem-intestino que são tão puros rumo à sua divindade, que sequer defecam, o que é coisa de seres inferiores!
Apesar dos parênteses no título, sei que para muitos isso soará mera brincadeira (e ainda por cima de mau gosto!), blasfêmia, lorota, contrassenso, ou seja lá que nome queiram lhe dar os sem-intestino que são tão puros rumo à sua divindade, que sequer defecam, o que é coisa de seres inferiores!
quinta-feira, 25 de março de 2010
A Lei Maria da Penha e seus aspectos antropo-biossociais
Não sou psicóloga, muito menos tenho lido o que se tem publicado a respeito, mesmo assim ouso falar do assunto, já que outro dia, diante de mim, deixaram entender que a Lei Maria da Penha é inútil, já que a própria vítima retira a queixa após denunciar o agressor.
Pois é evidente que existe um elo afetivo que une (perdoem-me a redundância) a vítima ao agressor. Na verdade, já li sobre a possibilidade da vítima se apaixonar por seu próprio estuprador, o que não é propriamente o caso em que é aplicada a Lei Maria da Penha (embora esta não o exclua, já que o próprio marido ou namorado da vítima pode estuprá-la), mas é uma situação análoga. Como já disse, não sou "expert" em psicologia e portanto desconheço que estranhos e mórbidos mecanismos estão envolvidos no processo. Talvez, mais do que simples tendência da mulher ao masoquismo e à falta de amor próprio, estejam envolvidos aspectos biossociais, já que a mulher é que geraria o suposto filho originado do sinsitro e, tradicionalmente, talvez se possa dizer mesmo antropologicamente, é papel do homem - interessado na manutenção dos genes perpetuados - sustentar a cria e prover à mãe alimento o mínimo suficiente para que essa possa pelo menos gerar leite (também ignoro a lactação, não sei se essa cessa com alimentação deficiente) e dedique à criança os cuidados básicos. Assim, romper com o possível autor de um filho (dispensada a hipótese do aborto em nossos ancestrais, que o cometiam, é verdade, mas estou priorizando a intenção biológica de preservação dos próprios genes, agora também presentes no corpo da - suposta - criança) só acarretaria problemas à mãe.
É claro que o contexto social hoje é outro, há creches (lembrando que as públicas não são lá "essas coisas"), a mulher está relativamente inserida no mercado de trabalho e outros fatores, podendo a mulher sustentar o próprio filho, mas não se pode ignorar nossas raízes históricas, antropossociais e o consequente atavismo inerente à nossa espécie.
E o mesmo ocorre quando a agressão não é propriamente um estupro, muitas vezes há filhos envolvidos na relação, o que torna tudo mais complexo. E quando não há, o agressor é um pai em potencial.
(Qualquer acréscimo de informação ignorada será bem vindo).
terça-feira, 9 de março de 2010
segunda-feira, 1 de março de 2010
Atualidade secular
Impressionante como, escrito há quase um século atrás, Raízes do Brasil continua tão atual!
domingo, 28 de fevereiro de 2010
sábado, 27 de fevereiro de 2010
Marcatexto
Na impossibilidade de produzir boa literatura ou tecer sobre a mesma uma crítica digna, contento-me em grifar seus gritos augustos.
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010
Cultura descartável
Já me disseram que a expressão "cultura de massa" não dá pra amaciar, como fizeram com o "transporte de massa", que virou "transporte coletivo". Mas a cultura de massa é tão rasa e superficial que nenhum eufemismo toleraria esse bloco maciço, compacto, maçante, feito da matéria pegajosa dos moluscos. Existe sim uma massa, que se deixa manejar como um gado sendo tocado pelo boiadeiro, já que não usa de sua MASSA cinzenta e absorve e produz uma geleia geral também cinza, embora para grande parte da sociedade seja multicor. Mas tal cegueira já foi apontada por um escritor português, talvez não seja cegueira, talvez seja uma catarata do tamanho de um iceberg, que como tal tem uma base submersa maior que a aparente, e tal base deve perfurar o cérebro das pessoas. O quê que custa abrir um livro decente e lê-lo? Gente, ler não dói, não. Aproveitem que ser nerd está na moda, e ao invés de só ser nerd na aparência, incorpore o personagem. E quem começa a ler e mantém o hábito, não para nunca mais, pois leitura vicia. E, ao contrário da maconha, não destrói os neurônios, pelo contrário, reaviva-os para sua função principal. Mas não, é melhor não, continuem babando, excretando, golfando, bolçando essa geleia cinza, esse patê gorduroso que entope as artérias intelectuais e polui o meio-ambiente muito mais que qualquer fralda descartável!
sábado, 6 de fevereiro de 2010
Utopia?
Somos seres deprimidos porque desde cedo nos apresentam à utopia, apresentam-nos ao mundo comparando-o com um fac-símile distorcido seu, no qual o mundo é perfeito. Somos amantes do impossível, tais quais os ultrarromânticos sonhando com a nívea criatura idealizada. E assim, insatisfeitos, não nos contentamos com a desordem, com o caos, não engolimos o escarro que o transeunte arremessa na calçada porque pensamos que deveríamos ser anjos flutuando sobre nuvens ou, no mínimo, que o ambiente urbano deveria ter a assepsia de um hospital.
Alguns irão me acusar de conformista, mas, temos sim que lutar com as armas possíveis contra um ambiente altamente opressivo, mas somos a parte hipossuficiente, não podemos fazer muita coisa.
Afinal, as desigualdades sociais são outro ponto que nos toca e, no entanto, somos impotentes - até que ponto? - para erradicá-las do planeta.
A educação no Brasil caminha a passos de tartaruga, a reforma a conta-gotas dá nos nervos de qualquer um, mas, tenho que enfatizar que, aventureiro ou não, o trabalhador é o que há de melhor no Brasil. É ele que enobrece o país, e é assaltado por essa corja que nos administra. Pelo menos o poder judiciário homenageou o trabalhador criando uma competência judicial só para ele, afinal, é ele que faz o país prosperar e garante o recheio de meias e cuecas alheias. É só uma gorjeta, podemos pensar. Mas que eles não se esqueçam de reverter o restante em obras (aliás, as estradas desse país estão uma vergonha, heim? Só as que são administradas por concessionárias que estão prestando!) e também para a saúde e a educação. É pedir demais?
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