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terça-feira, 17 de agosto de 2010

Troféu

À noite toda a natureza dorme
mas alguns relógios biológicos são descosturados e descompassados e desmiolados
e suas cordas rangem e se rasgam se desgarram e se agarram
numa boemia desenfreada.
Assim as corujas e os morcegos
e os poetas-morcegos
que não descansam
quando está escuro
e têm no dia ensolarado um túmulo,
um ninho sombrio:
sem brio.

Suas sobrancelhas
são
caminhos sorumbáticos.
São
brânqueas brancas
e
básculas
bastante
bestas.

Basta de bostas pretas
e bifes bem passados.
Que o bife posto à mesa
não nega seu passado com chifres -
feito uma dupla coroa córnea -
e o capim caiado caeiro calcário caiano

ingerido ruminado
em seus 4 estômagos
como se ele - o boi - divagasse sobre os dilemas bovinos
relatados
por um boi letrado:
Malhado de Avis
e mascasse uma
anis
que iluminasse
seus 4 estômagos
e os transformasse
em 4 sóis
de uma galáxia láctea
feito sua fêmea
como uma bebida
sempre morna
e tépida:
telhas
de estômagos
de bezerros
e de humanos-bezerros
feito um especismo
que tiranizasse os bois alheios
numa ditadura
de reprodução desenfreada
e controlada
para explorar
sua carne
seu couro
e os criar
em cativeiros
e colocar máquinas sanguessugando eternamente o leite de suas fêmeas:
ditadura mórbida.

Feito como se
o Homem
fosse o
Rei
e dissesse que o
Leão o é
(para disfarçar sua tirania).

Feito como se
Derrida já não
tivesse dito
isso tudo
antes.

Feito um
antes
eternamente antes
que se metamorfoseasse em depois.

E não há esperança:

o ser humano é
despótico

e assim será
até o último
dia de vida na
terra.

Não é
conformismo
nem pessimismo
nem resignação consternada.

É a nitidez
da realidade
que se impõe
feito um troféu
ao predador-mor
construído e
concedido
pelo próprio predador-mor

nessa narcísica
automasturbação do ego
de um ser que não passa de um tubo digestivo incrementado.

2 comentários:

J.M. de Castro disse...

Ler o seus poemas está sendo, cada vez mais, uma experiência maravilhosa. Você é poeta mesmo. Com a veia tatuada, com a vida tatuada com a marca da poesia, mesmo à margem do corpo ou da vida, ela está lá como marca inapelável.

Estou lendo sua poesia em voz alta e devagar como acho que devem ser lidos os bons poemas. Para não ceder à correnteza da prosa que arrasta os sentidos mais leves da superfície dessa coisa líquida chamada poema. Você está dada vez melhor. Na agudeza do olhar, no tratamento com a palavra. Cada vez melhor. Um fruto chegando na madureza...

Coral disse...

o pior de tudo, Zé, é q depois da madureza vem a podridão... hehe