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terça-feira, 10 de agosto de 2010

Ração

a minha alma era uma lente que distorcia as imagens.
antes as cores podiam ser mais intensas.
agora são mais exatas.

agora a vida é insípida
- sem as cores das emoções.
agora que o grau está ajustado
tudo é tão nítido quanto tedioso.
e a vida escorre com suas horas anódinas.

nenhuma surpresa me espera.
nenhum grande futuro embalado em papel de presente.
só o passado perpassado desdobrando-se sem grandes novidades.
só uma grande ausência.
só.

só o passado repetindo-se sem o deslumbramento da infância
e a promessa da adolescência.
só essa vida crua e sem tempero
que somos obrigados a digerir.

a saliva é o único condimento.

meu cérebro já não se sacia com a endorfina.
o glacê é só purpurina:
brilha mas não adoça.
brilha de um brilho baço
e opaco
como o das pérolas
verdadeiras.

porque a verdade não tem nenhum brilho:
é crua e lisa.
se áspera fosse
traria alguma emoção.
mas é lisa
feito uma cara sem expressão
de um cão sempre a esperar seu osso
e recebendo no seu lugar sua ração
insossa de todos os dias

de todos os dias sem sal
desse eterno dia que se desenrola
feito um presente único
sem passado nem futuro
sem horas a escorrer
dos ponteiros
dos relógios moles
amolecidos pelo tédio diário
de apontar as horas falsas
de instantes transformados em algarismos
feito uma eterna conveção
inútil
como todas as convenções.
inútil
como a civilização
greco-romana.

(se asteca fosse
talvez fosse
a mesma
meleca!
A mesma bosta
o mesmo catarro
eterno
a brotar das narinas
até que elas ardam!)

inútil
como a
existência humana.

eterno tédio.

3 comentários:

J.M. de Castro disse...

A verdade é lisa...me fez ficar pensativo...

Luis Eustáquio Soares disse...

é, poeta,meleca do nariz não é tão ruim assim de tirar e serve pra matar o tempo e também o tédio, não?
beijos
de la mancha

Coral disse...

Nessa sua foto mesmo, Luis
parece que você acabou de tirar
uma meleca do nariz.