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sábado, 11 de setembro de 2010

poema interminado

cada email não respondido
é uma porta trancada
à luz infinita e rara
rejeitada pelo vaga-lume mais sórdido
que vaga entre as sobras de almoços
e rejeita a luz para se alimentar das trevas
e das bostas repletas de vermes
que ele mendiga com uma peneira
a sacolejar moedas tilintantes
peneirando a bosta para que ela se torne mais rarefeita (mais      [rarefezes) e mais rala e mais perfeita
como se faz com um rútilo mineral
que pulsa nas entranhas da terra
que respira cada milímetro cúbico de ar
desesperado como um peixe fora d' água
imitando gente que existe até à náusea mais rala e mais rara
de tão comum.

ávidos de cada instante
sobrevivemos
com a esmola de cada dia
com a cota diária de luz solar
da qual temos que nos proteger com filtro
e o filtro é a peneira óbvia que não tapa o sol
porque não existe tampa para o sol
ora, o sol não se tampa
e é por isso que cada vitamina c evapora
ao menor contato com o ar
porque o sol não se tampa
e as tampas são tão óbvias
e inúteis

mas mesmo assim o comércio de tampas é tão lucrativo
que eu não vou mais vender preservativo
que é privativo ao primitivo obsoleto dos minerais
que brilham a cada faísca
ao menor contato com a luz solar
ao menor contato venéreo
de cada doença que se espraia
correndo solta em cada veia
do corpo
que ainda pulsa
(e cada organismo vivo
é a pré-história do cadáver
feito a história prévia de cada ave
cada alvéolo que apodrecemos com a nicotina diária
a que temos direito
para que possamos nos envenenar
com a neve grisalha
que evola do bastão de papel
que evapora feito vitamina c
e fede feito cecê
contido em cada ônibus
como a menstruação que não podemos evitar
e transborda do absorvente parco
e insuficiente)

e pensar que se não tivéssemos nascido
teríamos
metade vazado com o endométrio de nossas mães
a outra metade ido embora com a descarga dada pelos nossos       [pais

e assim a casualidade da nossa existência
depende de um ventre inchado
de uma mãe que presenteamos com varizes
e às quais depois damos um liquidificador no dia das mães       [para disfarçar
a nossa impiedade

e inventamos um recheio etéreo para nosso organismo
que cisma a cada abalo sísmico

e inventamos que viemos de um mundo mais rarefeito
um céu eterno com anjos de franjas
que não comem frangos nem cebolas
e não pedem esmolas nos semáforos
e não sabem o que é desaforo
nem têm resposta para os poemas que não sabemos como terminar
e ficam sem contornos nem limites
feito uma escultura impressionista
cujo contorno é a falta de contorno
e o limite é o entorno
de um forro velado
e abstrato como neve cálida
que as calotas engolem ao derrapar na areia.

Um comentário:

Luis Eustáquio Soares disse...

o indeterminado, assim como o indefinido, é sempre um definido indefinido, ou o indefinido como definição, de modo que é e não é indeterminado.
de qualquer forma, a vantagem do indeterminado é a de indiciar o determinado como igualmente indeterminado, ou como farsa de eterminação.
e é isto que seu poema faz, coralina coral: indeterminar o determiado, tornando-o comum, numa igual condição fezes, de rés-do-chão.
e olha que há quem gosto.
b
l