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terça-feira, 1 de junho de 2010

Morte lenta

vou me trancar
num caixão
e me enterrar
sete palmos abaixo do solo.

afinal, esse é o destino dos defuntos.

mas não sou apetitosa o suficiente para os vermes:
até eles permanecem indiferentes ao meu cadáver!

Mas minha podridão é inata:
não preciso dos vermes
para virar nata!

Vou me liquefazendo pouco a pouco
e meus destroços escorrem
feito um rio, porém não caudaloso
(pois tudo é infértil).

Invejo os répteis
que rastejam sobre a terra

com seu sangue frio:

dançam conforme a melodia
e ignoram a filosofia.

Não calculam os catetos.
Vivem pelos guetos
esquentando suas escamas
passeando em meio à lama.

Vivem enfim uma vida digna.

Já eu estou condenada a essa pseudovida subreptícia
no avesso do eclipse apocalíptico
qual fóssil de pterodátilo
sem potencial para ser combustível.

Na aridez saárica
da brochada siririca
sem gozo sem nada
no oco insípido insosso
da nauseabunda fossa
esgosto desgosto
sem rosto
da esfinge decepada
sem véu
sem créu
sem seu
sem ser
sou só
qual pó
qual cinza
da via láctea
purgando tudo
esse grito mudo
feito cana mutilada
em seus multi-lados:
cem faces
crispadas
ao cuspirem
fotos
fatos
motos
matos
mato-me
e acabo com isso logo de uma vez!
Capim xadrez
qual cutia na vala
pescoço na navalha
bala no ouvido
breve estalido
alívio
lívido
lindo:
tudo
o que quero
em menos de um segundo.

2 comentários:

J.M. de Castro disse...

Espero que vc só consiga dar forma a este sentimento que te persegue somente na poesia...
Um ótimo poema.

Unknown disse...

Cora, igualmente digo que vc se superou, com esse seu belíssimo poema, digno dos melhores de augusto dos anjos.
é curioso, como poema-suicídio, o movimento letal-vital que o atravessa, de modo desvisceralmente visceral, como um corpo sem órgãos capaz de produzir vitalidades; menos gozos pra mais gozar.
aqui vc fez do impossível matéria poética.

eis a criação, eis a poeta.
saudações,
beijos
de la mancha