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sábado, 19 de junho de 2010

Nu

O mundo está tão claro
e eu estou tão cega!

Nem meu terceiro olho
nem meu quarto ânus
nem meu tato
me servem.

Estou nua
como um olho nu
e despido
ou obnubilado por sete véus
de nuvens densas e foscas
que refletem o sol
e tragam sua luz
na opacidade
de um mineral rajado,
como a grade
de uma cela
estreita
e cerrada
pelas trevas.

Estou tão nua
mas ninguém enxerga a minha nudez.

Eu ando pelas ruas
e é como se eu estivesse
vestida.

Ninguém me vê.
Mas eu tampouco enxergo.

E a pálpebra
é a primeira cortina
dessa câmara escura
que encerra
os tumultos mais devassos
e insanos
como a pedir
que ataquem
pedra.

O orifício
ofusca
a falta
e o cisco
faz lacrimejar
esse olho denso
e mineral
que, nu
desprotege a alma
e vela pela morte exata
da crua existência opaca
das rochas imperiais
que rolam do penhasco.

Cratera!

Meu olho é côncavo
como uma terceira caverna
que encerre fósseis distintos.

E o nanquim é parco
para todas essas pinturas
rupestres
que descascam
das paredes rochosas
como lágrimas a derramar
escorrendo
feito um rio caudaloso
e um pouco desastrado
na sua enchente
que enche as várzeas vastas.

Nunca eu fui tão vista
pelo olho redondo
que brota
por entre
as pálpebras
pobres
da parábola.

E a elipse
é incrédula
e a cegueira é tátil
mas pro tato é fácil
fingir que vê.

O olho é desprotegido
mas
onisciente
me rastreia
me persegue
me capta
em cada microssegundo
em cada piscadela
e quando eu menos espero
sou pinçada
para fora
dessa tela
de cristal líquido.

O olho é líquido
 e o líquen
é nefasto
como o flúor
do nenúfar.

O olho caga
a lágrima
e se empanturra
de remelas
está pregado
de crostas de remelas
e se refestela
com o mel delas.

O olho delas
veem a vidraça
que reflete
a desgraça
alheia.

E o elo
da lã
é veludo
esgarçado
como um farrapo
desbotado
desabotoado
pela visão
insípida
e insuficiente
desse olho nu
e ineficiente.

2 comentários:

J.M. de Castro disse...

Ainda não conseguir alcançar o todo do poema. Já li mais de 5 vezes, sempre alguma coisa me escapa. Óbvio que a falha não é do poema, mas do leitor que não alcança. Mas toda vez que o leio sinto que ele diz mais do que eu consigo ler e perceber.Tem poemas que é preciso o tempo devido para alcançar o todo de sua grandeza. E o seu poema possui essa grandeza. Muito me agrada essas coisas que não entendemos totalmente na primeiro encontro...certamente ele será revisitado com frequencia para nova investidas do entendimento. Mas, para brincar com o nome do poema, talvez o Nu seja, exatamente, aquilo que não conseguimos ver. Cegos, obnubilados, diante da transparência do que quer que seja. O nu como o limiar do visível e do transparente. E quanta coisa ainda falta dizer sobre ele...

J.M. de Castro disse...

Você conseguiu condensar em imagens muitas ideias. E muitas me agradam. Esta por exemplo:

"E a pálpebra
é a primeira cortina
dessa câmara escura
que encerra
os tumultos mais devassos
e insanos
como a pedir
que ataquem
pedra."