NOS BECOS DA WEB...

domingo, 31 de julho de 2011

Revolta II

Gente, eu tenho que confessar algo terrível: eu quase virei comunicóloga... escapei por pouco! Cheguei a iniciar o primeiro período numa faculdade fuleira que apesar de tudo tinha um professor que se salvava pois vivia chamando a atenção de seus alunos (que alunos? estes simplesmente debandavam de suas aulas, iam pros botequins beber...) para os podres da comunicação. Ele até nos passou Debord pra ler... Grande Debord!

Quando eu ainda fazia o curso, encontrei um amigo que fazia psicologia e ele perguntou o que eu estava fazendo... disse que estava indecisa entre continuar o curso de comunicação ou fazer o de Serviço Social que eu havia trancado numa universidade pública (que infelizmente não concluí - outra confissão horrível!). E ele, como tinha bom senso, começou a esculachar a comunicação, dizendo que ela nem é uma ciência, só se apropria dos restos das outras áreas do saber para se transformar nessa coisa horrível - nesse Frankenstein!

Bem, antes de entrar nessa faculdade vagabunda para iniciar esse curso podre, eu já sabia que a comunicação é nojenta, mas acontece que eu achava que podia seguir um caminho alternativo, ou então que não haveria outra saída a não ser me vender - como mais cedo ou mais tarde todos acabam fazendo - mas que eu poderia aproveitar o fato de eu gostar de escrever para achar um caminho...

Pois bem, se, como bem disse o meu amigo, a comunicação nem é uma ciência, como é que alguém formado nesse lixo se julga no direito de julgar um blogue de esquerda dizendo que ele é ruim e ainda diz: "Eu sei porque sou da área". Que área? Que parâmetros ela utilizou para fazer o julgamento? Os parâmetros dessa grande mídia nojenta que há por aí?

Ah, confesso que estou revoltada, mas as pessoas não se dão conta que temos que sempre seguir o mesmo padrão - o padrão europeu, ocidental, branco, masculino, heterossexual etc etc etc

Ainda estou lendo o Crítica da imagem eurocêntrica e lá fala da mídia do "quarto mundo" (povos nativos de regiões colonizadas por europeus) e mostra como eles (os indígenas) ao desenvolverem essas mídias, invertem as relações de hierarquia tradicionais e tal... então, como assim um blogue de esquerda tem que seguir padrões estipulados em cursos de faculdade para formar profissionais para essa máquina nojenta que é a grande mídia?

Ah, vou ficar por aqui. Sei que falo mais pro vento que tudo, que estou "nos becos da web" e que raramente assumo uma posição radical, fico mais na minha poesia neutra apelando pra um surrealismo talvez infrutífero, mas tem dias em que me revolto mesmo com o nível de babaquice com que me deparo...

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Um dia, quem sabe?

Hoje eu queria pedir desculpas pela minha ignorância. Pedir desculpas talvez a mim mesma, pois as pessoas que deveriam ler isso provavelmente não o lerão. Pedir desculpas por, quando por ignorância do afeto, eu dei chutes ao invés de sorrir, ou, quando por ignorância de uma consciência crítica e política ou vítima de um nacionalismo tosco que rivaliza com países hermanos, chamei o espanhol de "língua feia". Pedir desculpas por quando eu era tão ignorante que não entendia a noção de "mapa". Sim, mapa. Não entendia como o espaço físico que ocupamos podia estar representado por aquelas linhas envolvendo pedaços coloridos de papel, talvez fosse difícil para mim porque o nosso mundo é em 3D e o mapa em 2D, e o Brasil nunca é rosa bebê ou amarelo pálido como aparece nos mapas. (Provavelmente eu não entendia a própria ideia de representação. É preciso respeitar a capacidade cognitiva de cada faixa etária também, e então eu era muito nova. É preciso nos perdoar por quando não tínhamos capacidade cognitiva suficiente para entender as coisas óbvias). Eu queria pedir desculpas a mim mesma porque não sabia viver (e talvez ainda não saiba) e pedir desculpas ao mundo por não saber que lugar ocupar nele.

Eu queria pedir desculpas e dizer que eu um dia talvez aprenda e apreenda, e que eu sou burra mesmo, meu "pensamento esbarra logo com a testa", sempre, mas, se for possível, eu vou descascando minha burrice junto com a pele, aos poucos, e talvez eu aprenda até que para isso não é preciso eu me esfolar na parede, já que a gente se descama mesmo, diariamente, naturalmente, na cama, na mesa e no banho, derramando células ao esfregar os dedos nas cédulas inevitáveis do dia-a-dia.

Cotas para negros: questão polêmica

A questão das cotas para negros em concursos públicos sempre suscita polêmicas. Ninguém questiona as cotas para deficientes físicos, porque todo mundo reconhece que estes estão em situação desfavorável. As pessoas dizem que os que defendem as cotas para negros são racistas, pois estão tratando-os como menos capazes de passar num concurso. Mas já vi um negro, numa palestra, falar em "racismo positivo" (positivo, não positivista, entenda-se bem). Eles são menos capazes, sim, não por questões biológicas, não por terem menos capacidade mental, mas por geralmente terem sido menos preparados. Fiz ensino fundamental numa escola particular, e na minha sala na sexta-série havia um menino negro, mas era um dentre quarenta brancos, e a minha sala era uma exceção, pois na maioria das salas não havia nenhum negro. Quando digo "negro", estou dizendo inquestionavelmente negro, pois questiona-se quem seria e quem não seria negro num país tão miscigenado, em que quase todo mundo tem um tataravô oriundo da senzala, mas é preciso ter bom senso. A pessoa pode agir de má-fé se quiser se declarar negra para obter uma vantagem apesar da cor de sua pele ser decisivamente branca, e talvez seja impossível confirmar se ela tem ou não sangue negro correndo em suas veias vindo de ancestral muito distante. Mas, vejamos bem, talvez cada pessoa enxergue a cor "vermelho" de uma forma, dizem até que as mulheres percebem mais matizes que os homens, mas, no geral, há um consenso, e a minoria da sociedade é daltônica. A pessoa, pela simples cor da pele, já passa por restrições, sim. Todo mundo comenta da hora dos pais escolherem uma criança para adotar, se tiver um bebê branquinho de olho azul no meio de dez crianças negras, o bebê branquinho vai ser disputado a tapa.

Já que eu já aprendi que, ainda mais em questões polêmicas, sempre é necessário dizer o óbvio, vamos lá: eu disse sobre os negros estarem em desvantagem em relação a brancos frente a concursos públicos. Citei o caso do meu colega e amigo negro, como representante de uma exceção. Todo mundo sabe que os negros foram trazidos de seu continente de origem, a África, para atuarem como escravos, em condições degradantes. Não interessa se eles já se escravizavam entre si na África, os romanos também escravizaram os gregos e ninguém se utiliza desse argumento para desfavorecer os descendentes de europeus, seja lá o que for "europeu" nesse caldeirão de raças que sempre foi a Europa [sim, a globalização não começou ontem. Não deve ser à toa que os italianos do sul são mais morenos que um nórdico, e o último a falar em pureza de raças foi Hitler. Mas os europeus, seja lá o que essa palavra signifique num mundo tão miscigenado, já foram o suficientemente embranquecidos, portanto sofrem menos discriminação - sim, estou falando da cor da pele, e não do sangue que corre nas veias. A questão é de cor, mesmo. Veja como o "preto" foi definido no Oxford English Dictionary no século XVI: "profundamente manchado de sujeira, gasto, empoeirado (...) aquele que tem propósitos obscuros, mortais, malignos; aquilo que se refere à morte, desastroso, sinistro (...) terrível, atroz, horrível, maléfico" (SHOHAT; STAM, 2006, p. 51) - e, apesar dessas definições serem do século XVI, não há nada de anacrônico aí: esses valores foram transmitidos de geração em geração e até hoje se perpetuam]. Enfim, como eu ia dizendo, os negros foram trazidos da África para atuarem como escravos, e após uma abolição mal feita ficaram marginalizados, pois muitos patrões ainda nem admitiam ter um funcionário negro, e, quando eles conseguiam trabalho, eram trabalhos desprestigiosos e mal remunerados. E a prole dessa gente está aí, ainda hoje, em sua maioria, quando frequenta a escola, é claro que é escola pública, que tem milhares de problemas não por ter professores mal qualificados, como muito se argumenta (eu fui professora de escola pública e constatei como meus colegas eram bons no que faziam). O principal problema das escolas públicas não é a má qualificação dos profissionais que atuam nela, e sim a falta desses profissionais. Muitas vezes falta um professor de determinada disciplina, às vezes durante um ano inteiro (ou mais) para determinada turma. E aí o processo educacional fica cheio de lacunas.

Então, esses estudantes de escolas públicas, é claro que ficam menos preparados para passar num vestibular para uma universidade federal, por exemplo, ou em qualquer concurso que seja. Por isso as cotas para estudantes de escolas públicas são menos polêmicas que as cotas para negros, mas, como disse a professora de Geografia da escola em que lecionei, os negros estão em desvantagem histórica muito grande. Daí o "racismo positivo" que o tal palestrante mencionou. Não vejo nada de absurdo nisso, e eu acho que quem é contra as cotas para negros é que são os verdadeiros racistas, pois não querem dividir a "fatia do bolo" de jeito nenhum...

É claro que a educação deveria ser toda pública também, não deveria existir escolas particulares, mas isso já daria um outro post, e mesmo assim acho que ainda existiria desvantagem para os negros, entendendo "negro" numa perspectiva de cor mesmo, e não "racial". Lembrando, a minoria da sociedade é daltônica, e é preciso não esquecer o bom senso. Nunca.

Fonte bibliográfica:

SHOHAT, Ella e Robert Stam. Crítica da imagem eurocêntrica. São Paulo: Cosac Naify, 2006.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Diário Banal da Fragmentação e Compartimentalização Humana

Fica decretado, por meio do presente ato, que, de ora em diante, em todas as salas de espera de todos os consultórios médicos do país e demais estabelecimentos em que haja um cômodo específico para se amontoar os que esperam, deverá ter uma televisão ligada.

- Em qual canal? Como assim em qual canal? Que pergunta estúpida! No único canal em que elas deveriam estar ligadas...

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Habeas Corpus

Um dia um policial me parou
na rua e me perguntou:
- Você comete crimes?
- Não, só cometo poemas.
E ele prendeu os meus braços
nas suas algemas.
E eu fiquei como uma ema
presa nos elos de anelos
levada para a delegacia
tendo ao vento os cabelos.
- Está presa por subversão.
- A minha versão é sobre.
- Sobre o quê?
- Sobre o pobre poder podre.
- Você está desacatando a minha autoridade.
- Você está atacando a minha dignidade.
- Você está perdendo seu tempo.
Foi quando apareceu um advogado
e me conseguiu um Habeas Corpus
e meu corpo se abriu
e dele surgiu uma alma
ferida.
Uma alma despida
Uma alma descida
Um espectro decrescente
E eu me despedi contente.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

eu queria dizer
que há sopa no cabelo
e que a corcova do camelo
foi remendada com durepox

o resto eu digo depois
quando as nuvens tingirem o céu
de brancos veludos e gastas gazes
e depois de passada essa fase

ameaço um soluço e tusso um isopor
e sopro um arroto incolor

como se injeta banha no osso
se é ingorduroso o almoço
e se os farelos do jantar nosso
não se desmigalharam da mesa?

a manhã tece um céu sedutor
e da chuva brota um bolor
que satura os líquidos depois
de amanhã não quero saber
da Terra
pois não quero saber
da guerra
pois o que mais ocorre
nessa irregular
esfera?

a maçã, a uva e a pera
foram visitar a salada
e morreram engolidas
para não morrerem queimadas
nas labaredas crepitantes
da fogueira de São João

E então?

o que ocorre e o que não?
quando você vai alugar o salão
para as festas profanas?
a professora Ana
e a tia Edilamar
me ensinaram
que rimar é pecado
pois unir os dois lados
das mesmas palavras
pode gerar
perigosas lavras

por isso eu tenho cuidado
pra não rimar demais
por que se rimo eu arrumo
muito problema
e a pobre ema
fica sem almoço
roendo os caroços
das frutas insossas
e as nuvens fogem dos céus
e chove um granizo raro
que embolora a grama
e amarela a couve
mas depois eu ouço
com muito cuidado
pros sons não escaparem
pelas frestas das portas
uma música satânica
pra purificar meus pecados
e tornar leve
os ares pesados
das grossas rotinas
e das aéreas cortinas
que vazam endorfinas pelos poros
e tenho muito cuidado
pra não rimar demais
porque se eu rimo, depois
é perigoso demais

eu sei que é proibido
escrever poemas
por isso eu rimo escondido
e varro as letras
pra debaixo do tapete
pra ninguém ver essa sujeira espessa
que borra o papel
e entorta as linhas
que enevoa o céu
e faz faltar a farinha
do pirão
porque é proibido
escrever poemas
então eu escrevo escondido
como se o crime
fosse perfeito

mas cada palavra
me enjaula
pois o crime é o próprio castigo
e o cárcere é o meu abrigo
inóspito
como um hospital caído
depois de rolar da ribanceira

depois da segunda
vem a terça-feira
e cada dia
é uma grade
da jaula
da semana inteira.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

...

Ando com saudades do mundo...
Ando com saudades do tempo em que minha casa era um abrigo
e que o cobertor protegia do frio.

Mas o teto solar está com defeito
e nunca mais fechou.
Assim, fico exposta às intempéries
e minha casca calcárea se foi
pois estou em plena ecdise
e meu corpo mole é um prato cheio para os predadores.

Eu não queria usar armadura
queria andar nua como os bons selvagens
sem nem mesmo um protetor solar
mas a gente precisa da redoma.

A árvore precisa da casca
o núcleo precisa da carioteca
senão ele se dispersa no
meio do citoplasma
e perde sua identidade, seu RG.
E depois tem que mandar fazer
segunda via
e dá um transtorno danado!

Esse poema é um enfado!
Pura púrpura porejando pedra.
Pura falta de bom senso.
Puro odor de incenso
impregnando a casa de fumaça.

Quem me dera ter uma barcaça
que me conduzisse a um redemoinho ninho
moedor de desalinhos
e realinhador de trilhos descarrilados.

Quem joga os dados?
Quem orienta o jogador
a jogar jogos tão estragados?

Quem mofa o bolor dos trapos
e quem dá bom dia aos cavalos?
E qual cavalo relincha o espasmo
da posta mesa de espuma?
Quem salpica a grama de orvalho
e dispõe as nuvens em gazes?
Quem flatula uma nuvem de gases
e toma remédio pros ossos
pra não fraturar a faringe?
Quem faz e quem finge?
Quais dos nossos são seus
e quais dos seus são nossos?

Eu vou fazer um estrondo
e desmanchar sais e roncos.
Da árvore o tronco
e da copa as folhas.
Dos galhos os mesmos
e dos cantos cansados
e dos olhos molhados
e das lágrimas caídas
e do rio salgado
e do leito no rosto
e das margens,
folhagens.

A primeira, a terceira,
a quarta margem
tornando o rosto enrugado com tantos sulcos
de tanto os olhos vazarem sucos
de tanto os loucos cucos
arrotarem as horas a todo instante
como se estivessem bêbados
e não conhecessem os parênteses.

Tempos passados, tempos presentes
tempos futuros e tempos ausentes.
Temos sementes de dentes
e presentes ausentes
como pentes sem dentes
e olhos sem lentes.
Portanto,
olhos nus
como o olho mais cru
que temos entre dois montes de banha
duas saliências que acolchoam o sentar
aparando as arestas setas
arredondando as retas.

Cuidado pra não derrapar na curva!
Olha a aquaplanagem!
Olha o rio de veias
Olha o baixo relevo.
Não me atrevo
a prosseguir viagem.
Me despeço como o vento
que espalha a friagem
e o pólen
e o pó
sobre as calçadas escarradas.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Hoje quebrei meu "jejum poético". Saiu isso:

Altar

As árvores continuam verdes
e o céu já não se borra todo de nuvens
e chora açúcares gordos como lágrimas
que nos picam miudinho e repetidamente
e a gastrite arde como lava incandescente
descendo morro abaixo enquanto se guia pelo mapa astral
desdobrado feito um pergaminho amarelo e muito gorduroso
que seca o azeite das mãos
e derrete feito gelatina ácida
que corroesse o esôfago
numa pirofagia em labaredas incendiadas
e cada chama que aquece
também arde na pele feito um câncer
que abrisse em pétalas convidativas
e absorvesse todo o resquício.
Mas já não sobram faíscas
e os farelos se lambem em minúsculas migalhas
que vão porejando do chão fértil como se tivesse sido adubado.
Agora quase nunca as janelas se abrem
e o Egito já pariu pirâmides demais
que tagarelam como patos roucos
e se esfolam nos piques-pegas
até de manhazinha.
Eu sou pequena como uma árvore
e o céu se desbota a cada manhã
ficando menos azul.
Mas as tulipas são necróticas
e as lápides foram ajeitadas feito toalhas de mesa caindo para os lados
e escorrendo nas pontas
de um lápis infinito
que escrevesse incessantemente
e se intumescesse todo
feito um bolor
a vapor.

Eu não queria,
eu não queria
ser um depositório de dor.