Somos instados desde o ensino fundamental a ler os cânones da literatura, mas aqueles autores novos, que estão no mercado e ainda não provaram resistir e persistir às "dobras do tempo" e não receberam o carimbo de autenticação da crítica especializada, mas nos seduzem com seus títulos sagazmente tecidos com os quais nos deparamos nas prateleiras das livrarias, formam como que uma terceira margem, entre o decididamente imprestável e o de qualidade homologada.
Um bom título não é tudo, mas diz muito do poder de condensação e de síntese do autor, além de, junto com um bom visual da capa - e há editoras que são "experts" nisso - ser o que nos fisga.
Claro que, para aqueles ratos de sebo, o livro sendo o fetiche que é, muitas vezes não importa se ele está caindo aos pedaços, amarelado e até roído.
Mas cada leitor, leigo ou não, é um crítico a seu modo e vai peneirando o que lê, e é claro que há muito barro entre o ouro.
Mas somos ambiciosos, estamos sempre ávidos pela pepita e às vezes vemos brilhar algo que depois se revela ser apenas um caco de vidro refletindo a luz do sol.
Distinguir o joio do trigo e as várias gradações que há entre o joio e o trigo demanda maturidade, o que requer experiência, que por sua vez é necessariamente solitária. Cada um deve seguir seu próprio caminho e não atravessar somente as veredas apontadas.
O critério, nós o adquirimos individualmente, claro que nunca originalmente, e sim de acordo com o que já foi produzido, pensado, discutido e analisado. Sempre há um resquício cultural que nos permite nunca sermos inteiramente originais, mas a seleção é totalmente pessoal. Há influência exercida por quem temos afinidade, mas lá no nosso cerne, ousamos discordar daquele crítico de renome ou daquela pessoa que admiramos, o que, obviamente, pode ser transitório. Vamos atravessando escalas mais ou menos densas, sorvendo o sumo de cada essência e assim depurando o nosso ser nessa hélice espiralada que é a vida, ilustrada exemplarmente pelo nosso DNA.
Uma boa obra pode condensar a curva da espiral, como uma lente de aumento para nossos sentidos, e não só para a visão. E para detectar uma boa obra, nessa enxurrada de lançamentos, contamos com o nosso faro que, como o de um cão, é condicionado geneticamente e portanto compartilhado com toda a sua espécie, mas, ao mesmo tempo, tem o seu toque individual, indissociável do coletivo, mas único.
Por outro lado, tudo é mercadológico, há gradações também de leitores e cada autor quer conquistar a sua fatia de mercado. Por falar em mercado, já vi Saramago, o prêmio Nobel - o que também é totalmente mercadológico - sendo vendido no supermercado. Há o público considerado "cult", que é tão consumidor quanto quem lê Crepúsculo, nivelação que não faz com que o leitor "cult" deixe de se sentir superior. O que há é simplesmente o público que segue o que o meio acadêmico considera bom e canoniza, e o público que compra o que algum "psicólgo das massas" confeccionou especialmente para ele (de uma forma ou de outra, há alguém interferindo nas nossas escolhas. Realmente, ninguém é autossuficiente nesse mundo!). Mas cada autor que venda seu peixe, bacalhau ou merluza, para cada qual há seu público específico. E não adianta algum gourmet dizer que bacalhau é melhor. Sempre vai haver o consumidor de merluza!
Um comentário:
O texto está lúcido e condensado. Perfeito. Mais uma prova de que a leitora que o escreveu pensa constantemente sobre o seu ofício de leitora e escritora. Ofício é uma palavra dura, que não diz respeito ao que sentimos na nossa realidade de leitor, ainda que, cada vez mais, lemos como quem trabalha. A nossa leitura já é outra. Cada vez mais distante da leitura do senso comum. Cada vez mais, traçamos nosso próprio itinerário intelectual. Uno, mas que se faz duplo na comunicação do lido.
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