Hoje eu fui à Biblioteca Pública do Espírito Santo assistir a uma "palestra" (entre aspas porque parece que esse é um termo pejorativo na área acadêmica) de Gilbert Chaudanne que, com todo respeito que tenho por ele, deixou-me indignada ao dizer que "o Brasil começou do litoral", o que obviamente é uma perspectiva europeia. Parece que um conhecido (ou talvez amigo mesmo) dele que estava na plateia o lembrou dos indígenas (ele falou muito baixo, mas foi o que supus ouvir, na minha revolta), ao que Chaudanne respondeu: "ah, mas eles não dominaram o Brasil". Como não dominaram? Dominaram não o Brasil, certamente, mas dominaram Pindorama, que viria se tornar Brasil, à maneira deles. Acho que Mário de Andrade ficaria do meu lado.
Tirando isso, a "palestra" foi ótima. Anotei muita coisa, mas não tudo. Mas felizmente todas as apresentações do Chaudanne na Biblioteca vão ser publicadas.
Uma das coisas que mais me marcaram na apresentação foi a dicotomia que Chaudanne apontou que existe no Brasil entre litoral e interior, o que não existe na França, mas aí ele me saiu com a ótima "o interior é o inconsciente do Brasil".
Isso é só uma "palhinha". Quem quiser saber de tudo o que foi falado, é só ler a publicação que será lançada.
Mas como a fala da Rita de Cássia Maia, gerente do Sistema Estadual de Bibliotecas Públicas do Espírito Santo, não será publicada, aqui vai (sobre Os sertões, de Euclides da Cunha): "as agruras do sertão são materializadas numa linguagem precisa".
A Rita ainda disse, respondendo a uma pergunta de alguém da plateia, que Os sertões são um verdadeiro "tratado de sociologia, no patamar de um Casa grande e senzala", ao que Chaudanne respondeu que para ele se trata de uma "obra total", pois trata não só da sociologia, como da geografia, da história, da geologia e ainda é poesia (em prosa) e romance.
Mas como a fala da Rita de Cássia Maia, gerente do Sistema Estadual de Bibliotecas Públicas do Espírito Santo, não será publicada, aqui vai (sobre Os sertões, de Euclides da Cunha): "as agruras do sertão são materializadas numa linguagem precisa".
A Rita ainda disse, respondendo a uma pergunta de alguém da plateia, que Os sertões são um verdadeiro "tratado de sociologia, no patamar de um Casa grande e senzala", ao que Chaudanne respondeu que para ele se trata de uma "obra total", pois trata não só da sociologia, como da geografia, da história, da geologia e ainda é poesia (em prosa) e romance.
3 comentários:
Se Chaudanne não foi feliz ao omitir a história dos indígenas de seu próprio país, ele foi muito lúcido e feliz ao observar que a guerra entre policiais e traficantes no Rio é só uma manifestação de uma outra guerra, a que sempre existiu no Brasil entre o litoral e o interior. É sabido de todos que as favelas nasceram quando os soldados republicanos que venceram os sertanejos em Canudos voltaram ao Rio e foram morar nos morros, levando do sertão uma flor chamada "favela". Ironicamente, os soldados vitoriosos desceram de condição social, e (essa parte do raciocínio de Chaudanne eu que deduzi, pois não consegui acompanhar o discurso dele na íntegra), ao levar a flor "favela", passaram a fazer, nos morros cariocas, o papel de sertanejos. (Daqui em diante eu voltei a acompanhar o raciocínio de Chaudanne:) A guerra de Canudos, entre a República positivista (cuja sede era então no litoral - apesar de hoje a capital estar situada no interior, "Brasília é apolínea, matemática", ou seja, simétrica e positivista -), voltando ao raciocínio, a guerra entre a República positivista e o sertanejo místico continuou no Rio. Quanto aos fatores interiorano e místico das favelas cariocas, não é à toa que algumas delas se chamam "Rocinha" e "Cidade de Deus".
Para acabar de vez com a ambiguidade: evidente que em "próprio país", próprio se refere aos indígenas, pois Chaudanne, como não expliquei no post, e para quem não sabe, é francês.
Ainda: se Chaudanne foi, na referida apresentação, "mais brasileiro, impossível", no dizer da Rita, é só porque ele é europeu. Ele tem tal visão do Brasil (tanto a visão distorcida de quem não é brasileiro de que o indígena não reina em seu próprio reino - e é isso mesmo o que o colonizador fez com eles, os indígenas, mas nem direito à sua menção quando se fala das terras que ocupou primeiro?, quanto a visão acurada da guerra civil que acontece no Brasil, não só no Rio) só porque tem o distanciamento de quem veio de outro continente. Resumindo, ele só é brasileiro porque é europeu (deixando claro que se refere ao seu caso isolado: não é essa uma condição para ser brasileiro, vide o caso dos próprios indígenas e dos afrodescendentes puros ou mestiços entre si - índio e afro).
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