É triste a constatação, mas eu não posso fugir de mim mesma. Eu tenho medo de mim. Eu sou um abismo, uma cratera, um poço profundo, uma criatura abissal e autofágica, que se autoflagela como uma lesma que lambesse sal.
NOS BECOS DA WEB...
domingo, 27 de junho de 2010
segunda-feira, 21 de junho de 2010
Bela homenagem
A cidade de Vitória, com essa greve dos lixeiros, está quase igual à situação retratada no Ensaio sobre a cegueira. (É claro que os lixeiros têm todo o direito de fazer greve e não merecem receber um salário miserável para exercer tão importante trabalho. Não estou falando que a homenagem é feita por eles, entenda-se bem).
sábado, 19 de junho de 2010
Nu
O mundo está tão claro
e eu estou tão cega!
Nem meu terceiro olho
nem meu quarto ânus
nem meu tato
me servem.
Estou nua
como um olho nu
e despido
ou obnubilado por sete véus
de nuvens densas e foscas
que refletem o sol
e tragam sua luz
na opacidade
de um mineral rajado,
como a grade
de uma cela
estreita
e cerrada
pelas trevas.
Estou tão nua
mas ninguém enxerga a minha nudez.
Eu ando pelas ruas
e é como se eu estivesse
vestida.
Ninguém me vê.
Mas eu tampouco enxergo.
E a pálpebra
é a primeira cortina
dessa câmara escura
que encerra
os tumultos mais devassos
e insanos
como a pedir
que ataquem
pedra.
O orifício
ofusca
a falta
e o cisco
faz lacrimejar
esse olho denso
e mineral
que, nu
desprotege a alma
e vela pela morte exata
da crua existência opaca
das rochas imperiais
que rolam do penhasco.
Cratera!
Meu olho é côncavo
como uma terceira caverna
que encerre fósseis distintos.
E o nanquim é parco
para todas essas pinturas
rupestres
que descascam
das paredes rochosas
como lágrimas a derramar
escorrendo
feito um rio caudaloso
e um pouco desastrado
na sua enchente
que enche as várzeas vastas.
Nunca eu fui tão vista
pelo olho redondo
que brota
por entre
as pálpebras
pobres
da parábola.
E a elipse
é incrédula
e a cegueira é tátil
mas pro tato é fácil
fingir que vê.
O olho é desprotegido
mas
onisciente
me rastreia
me persegue
me capta
em cada microssegundo
em cada piscadela
e quando eu menos espero
sou pinçada
para fora
dessa tela
de cristal líquido.
O olho é líquido
e o líquen
é nefasto
como o flúor
do nenúfar.
O olho caga
a lágrima
e se empanturra
de remelas
está pregado
de crostas de remelas
e se refestela
com o mel delas.
O olho delas
veem a vidraça
que reflete
a desgraça
alheia.
E o elo
da lã
é veludo
esgarçado
como um farrapo
desbotado
desabotoado
pela visão
insípida
e insuficiente
desse olho nu
e ineficiente.
e eu estou tão cega!
Nem meu terceiro olho
nem meu quarto ânus
nem meu tato
me servem.
Estou nua
como um olho nu
e despido
ou obnubilado por sete véus
de nuvens densas e foscas
que refletem o sol
e tragam sua luz
na opacidade
de um mineral rajado,
como a grade
de uma cela
estreita
e cerrada
pelas trevas.
Estou tão nua
mas ninguém enxerga a minha nudez.
Eu ando pelas ruas
e é como se eu estivesse
vestida.
Ninguém me vê.
Mas eu tampouco enxergo.
E a pálpebra
é a primeira cortina
dessa câmara escura
que encerra
os tumultos mais devassos
e insanos
como a pedir
que ataquem
pedra.
O orifício
ofusca
a falta
e o cisco
faz lacrimejar
esse olho denso
e mineral
que, nu
desprotege a alma
e vela pela morte exata
da crua existência opaca
das rochas imperiais
que rolam do penhasco.
Cratera!
Meu olho é côncavo
como uma terceira caverna
que encerre fósseis distintos.
E o nanquim é parco
para todas essas pinturas
rupestres
que descascam
das paredes rochosas
como lágrimas a derramar
escorrendo
feito um rio caudaloso
e um pouco desastrado
na sua enchente
que enche as várzeas vastas.
Nunca eu fui tão vista
pelo olho redondo
que brota
por entre
as pálpebras
pobres
da parábola.
E a elipse
é incrédula
e a cegueira é tátil
mas pro tato é fácil
fingir que vê.
O olho é desprotegido
mas
onisciente
me rastreia
me persegue
me capta
em cada microssegundo
em cada piscadela
e quando eu menos espero
sou pinçada
para fora
dessa tela
de cristal líquido.
O olho é líquido
e o líquen
é nefasto
como o flúor
do nenúfar.
O olho caga
a lágrima
e se empanturra
de remelas
está pregado
de crostas de remelas
e se refestela
com o mel delas.
O olho delas
veem a vidraça
que reflete
a desgraça
alheia.
E o elo
da lã
é veludo
esgarçado
como um farrapo
desbotado
desabotoado
pela visão
insípida
e insuficiente
desse olho nu
e ineficiente.
Cinismo
Para dizer que sempre soube "negociar com Saramago com flexibilidade", ou qualquer coisa do nível, a Igreja só pode ser, como o próprio Saramago a definiu, cínica.
sexta-feira, 18 de junho de 2010
Pedra no sapato
Alguém comentou assim, no jornal O globo, sobre a morte do Saramago: "Um comunista a menos no mundo. Deus tenha piedade de sua alma." Pois o Saramago tinha essa qualidade de ser a pedra no sapato das pessoas, ou, como diz João Cabral de Melo Neto, a pedra no feijão, aquela pedra intragável que desce goela abaixo contra a "nossa" vontade, a necessária pedra que precisa emperrar as engrenagens dessa sociedade caótica que o escritor português tão bem retratou em Ensaio sobre a cegueira. Pois eu digo: "Deus tenha piedade da Igreja Católica, por ter cometido tantas crueldades em seu Nome e por perseguir os lúcidos, com seu caquético catecismo".
sábado, 12 de junho de 2010
Loba virgem
Eu sinto meu focinho açoitado pelo ventro frio, eu sinto o meu focinho! Minhas patas estão na neve. Eu toco as minhas patas umas com as outras, eu toco meu focinho com uma das patas, eu me toco toda! Nem que para isso eu use de minha língua eficaz! Pobres humanos, que não podem fazer sexo oral neles mesmos! Sou virgem, mas eu me toco. Me toco com o toco de madeira. E também já me diverti com muitos lobos por aí! Mas eles dizem que sou a "eterna virgenzinha" deles, não que eu não pegue fogo com eles, mas isso é conversa nossa, só entre os lobos! Dizem que uma humana homônima minha ouvia vozes e se matou, coitada! Espero um destino melhor pra mim, uma morte digna, ao caminhar na estepe, ser atacada por um predador e morrer para alimentá-lo. Afinal, a cadeia alimentar não pode parar e eu tenho consciência da minha existência transitória em função dela. Mas me atirar do alto de um penhasco, isso eu não faço, não! Dá, licença, queridos leitores, que vou me encontrar com o Lobo da Estepe, meu lobinho preferido!
sexta-feira, 11 de junho de 2010
Na curva da espiral
Somos instados desde o ensino fundamental a ler os cânones da literatura, mas aqueles autores novos, que estão no mercado e ainda não provaram resistir e persistir às "dobras do tempo" e não receberam o carimbo de autenticação da crítica especializada, mas nos seduzem com seus títulos sagazmente tecidos com os quais nos deparamos nas prateleiras das livrarias, formam como que uma terceira margem, entre o decididamente imprestável e o de qualidade homologada.
Um bom título não é tudo, mas diz muito do poder de condensação e de síntese do autor, além de, junto com um bom visual da capa - e há editoras que são "experts" nisso - ser o que nos fisga.
Claro que, para aqueles ratos de sebo, o livro sendo o fetiche que é, muitas vezes não importa se ele está caindo aos pedaços, amarelado e até roído.
Mas cada leitor, leigo ou não, é um crítico a seu modo e vai peneirando o que lê, e é claro que há muito barro entre o ouro.
Mas somos ambiciosos, estamos sempre ávidos pela pepita e às vezes vemos brilhar algo que depois se revela ser apenas um caco de vidro refletindo a luz do sol.
Distinguir o joio do trigo e as várias gradações que há entre o joio e o trigo demanda maturidade, o que requer experiência, que por sua vez é necessariamente solitária. Cada um deve seguir seu próprio caminho e não atravessar somente as veredas apontadas.
O critério, nós o adquirimos individualmente, claro que nunca originalmente, e sim de acordo com o que já foi produzido, pensado, discutido e analisado. Sempre há um resquício cultural que nos permite nunca sermos inteiramente originais, mas a seleção é totalmente pessoal. Há influência exercida por quem temos afinidade, mas lá no nosso cerne, ousamos discordar daquele crítico de renome ou daquela pessoa que admiramos, o que, obviamente, pode ser transitório. Vamos atravessando escalas mais ou menos densas, sorvendo o sumo de cada essência e assim depurando o nosso ser nessa hélice espiralada que é a vida, ilustrada exemplarmente pelo nosso DNA.
Uma boa obra pode condensar a curva da espiral, como uma lente de aumento para nossos sentidos, e não só para a visão. E para detectar uma boa obra, nessa enxurrada de lançamentos, contamos com o nosso faro que, como o de um cão, é condicionado geneticamente e portanto compartilhado com toda a sua espécie, mas, ao mesmo tempo, tem o seu toque individual, indissociável do coletivo, mas único.
Por outro lado, tudo é mercadológico, há gradações também de leitores e cada autor quer conquistar a sua fatia de mercado. Por falar em mercado, já vi Saramago, o prêmio Nobel - o que também é totalmente mercadológico - sendo vendido no supermercado. Há o público considerado "cult", que é tão consumidor quanto quem lê Crepúsculo, nivelação que não faz com que o leitor "cult" deixe de se sentir superior. O que há é simplesmente o público que segue o que o meio acadêmico considera bom e canoniza, e o público que compra o que algum "psicólgo das massas" confeccionou especialmente para ele (de uma forma ou de outra, há alguém interferindo nas nossas escolhas. Realmente, ninguém é autossuficiente nesse mundo!). Mas cada autor que venda seu peixe, bacalhau ou merluza, para cada qual há seu público específico. E não adianta algum gourmet dizer que bacalhau é melhor. Sempre vai haver o consumidor de merluza!
terça-feira, 1 de junho de 2010
Morte lenta
vou me trancar
num caixão
e me enterrar
sete palmos abaixo do solo.
afinal, esse é o destino dos defuntos.
mas não sou apetitosa o suficiente para os vermes:
até eles permanecem indiferentes ao meu cadáver!
Mas minha podridão é inata:
não preciso dos vermes
para virar nata!
Vou me liquefazendo pouco a pouco
e meus destroços escorrem
feito um rio, porém não caudaloso
(pois tudo é infértil).
Invejo os répteis
que rastejam sobre a terra
com seu sangue frio:
dançam conforme a melodia
e ignoram a filosofia.
Não calculam os catetos.
Vivem pelos guetos
esquentando suas escamas
passeando em meio à lama.
Vivem enfim uma vida digna.
Já eu estou condenada a essa pseudovida subreptícia
no avesso do eclipse apocalíptico
qual fóssil de pterodátilo
sem potencial para ser combustível.
Na aridez saárica
da brochada siririca
sem gozo sem nada
no oco insípido insosso
da nauseabunda fossa
esgosto desgosto
sem rosto
da esfinge decepada
sem véu
sem créu
sem seu
sem ser
sou só
qual pó
qual cinza
da via láctea
purgando tudo
esse grito mudo
feito cana mutilada
em seus multi-lados:
cem faces
crispadas
ao cuspirem
fotos
fatos
motos
matos
mato-me
e acabo com isso logo de uma vez!
Capim xadrez
qual cutia na vala
pescoço na navalha
bala no ouvido
breve estalido
alívio
lívido
lindo:
tudo
o que quero
em menos de um segundo.
num caixão
e me enterrar
sete palmos abaixo do solo.
afinal, esse é o destino dos defuntos.
mas não sou apetitosa o suficiente para os vermes:
até eles permanecem indiferentes ao meu cadáver!
Mas minha podridão é inata:
não preciso dos vermes
para virar nata!
Vou me liquefazendo pouco a pouco
e meus destroços escorrem
feito um rio, porém não caudaloso
(pois tudo é infértil).
Invejo os répteis
que rastejam sobre a terra
com seu sangue frio:
dançam conforme a melodia
e ignoram a filosofia.
Não calculam os catetos.
Vivem pelos guetos
esquentando suas escamas
passeando em meio à lama.
Vivem enfim uma vida digna.
Já eu estou condenada a essa pseudovida subreptícia
no avesso do eclipse apocalíptico
qual fóssil de pterodátilo
sem potencial para ser combustível.
Na aridez saárica
da brochada siririca
sem gozo sem nada
no oco insípido insosso
da nauseabunda fossa
esgosto desgosto
sem rosto
da esfinge decepada
sem véu
sem créu
sem seu
sem ser
sou só
qual pó
qual cinza
da via láctea
purgando tudo
esse grito mudo
feito cana mutilada
em seus multi-lados:
cem faces
crispadas
ao cuspirem
fotos
fatos
motos
matos
mato-me
e acabo com isso logo de uma vez!
Capim xadrez
qual cutia na vala
pescoço na navalha
bala no ouvido
breve estalido
alívio
lívido
lindo:
tudo
o que quero
em menos de um segundo.
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