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sábado, 22 de novembro de 2008

O livro como fetiche

Mais ou menos no começo desse ano, li Alucinações musicais, do médico Oliver Sacks. E tenho mania de assinar todo livro que compro. Assim, este também foi assinado. Mas durante a leitura do mesmo, observei que ele seria interessante e ao mesmo tempo útil à minha prima, que tem mais conhecimento de música do que eu. Assim, embora o livro já estivesse assinado, fiz, em outra página, uma dedicatória à minha prima, mas ainda não entreguei o livro a ela, já que esse ano só a vi uma vez. Devo entregar no Natal. Outro dia estava pensando que seria interessante reler esse livro. Mas agora não é a hora de relê-lo (tenho outros livros para dar cabo), o Natal está aí, teria que comprar outro. E aí surgiu o desejo de comprar outro Alucinações musicais.

Terminando uma pós-graduação em Estudos Literários, comecei a escrever uma monografia sobre o texto "O ovo e a galinha", de Clarice Lispector. Tarefa um tanto ousada, devido à complexidade do texto. Meu orientador me desencorajou a fazê-lo, assim, fiz uma monografia sobre outro texto, da mesma autora, e meu trabalho final ficou aquém das minhas possibilidades (eu me julgo capaz de fazer algo bem melhor!). Mas outro dia, lembrando-me do texto que comecei a escrever sobre "O ovo e a galinha", deu-me vontade de dar continuidade ao projeto, e para fazê-lo como havia planejado desde o início, eu teria que ler O gene egoísta, de Richard Dawkins, livro que, até hoje, eu achava que ainda estava esgotado. Pensando ser impossível encontrá-lo para comprar, a não ser que achasse num sebo por acaso, outro dia pedi ao meu irmão que mora em outro estado (e tem muitos estados separando os nossos) que o trouxesse para mim no Natal, para me emprestar.

Pois bem: hoje chego a um supermercado cujo acesso não é tão fácil, e lá logo na entrada há uma banca cheia de livros, e entre os livros há Alucinações musicais e O gene egoísta, ambos por quase a metade de seu preço normal. Uma tentação. Meu objetivo no supermercado não era esse; parei de trabalhar, ou seja, a grana está acabando, então não os comprei. Agora, em casa, enquanto lia outro livro, lembrei-me dos que não comprei hoje e analisando se devia tê-los comprado ou não, não senti nenhum arrependimento, pelo contrário, aprovei minha atitude econômica: afinal O gene egoísta posso ler de graça, Alucinações não iria reler tão cedo e seria mais um item hipertrofiando a infinita lista de livros a serem lidos, mas, o que mais me deu prazer foi notar que consegui conter meu impulso consumista. Livros são sempre bons, mas comprá-los por comprá-los, sendo que podemos pegar emprestado com alguém ou numa biblioteca (O gene egoísta, pelo menos antes de ser reeditado, era difícil de ser encontrado até em bibliotecas - artigo raro) ou comprar um livro que não iremos ler de imediato, apenas porque está exposto na prateleira do supermercado e nos sentimos tentados a adquiri-lo como se deseja um outro produto qualquer, nessa sociedade consumista em que vivemos, nessa ânsia que sentimos de POSSUIR o que está do outro lado da vitrine, barreira de vidro que nos impede de tocar o fetiche. Enfim, sou uma heroína: NÃO comprei dois livros hoje.

2 comentários:

Ricardo Artur disse...

Livro. Objeto de paixão, desejo, consumo, idolatria, veneração. É sábio, sagrado, profano, profundo, prolixo, preciso, necessário.
Livro.
Só sei que pesam muito nas mudanças.

Coral disse...

Depois de ler "O existencialismo é um humanismo", devo reconhecer que, se fiz uma monografia precária, eu só poderia mesmo ter feito uma monografia precária.