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terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Mas pelo menos você fez poesia

Se eu compusesse uma valsa sem fim
Se o filtro do corpo não fosse o rim
O que seria de mim?

Uma tripa ao vento, sim
Uma lira que dobra, assim
Fora do trilho, o trem
Uma luva que nunca cai bem
E um molusco sem concha, também

Se eu fizesse trinta versos,
ao invés de cem
Meu caderno iria, como convém
desfolhar-se em blocos
caindo em flocos, em tripas
Como se já fosse carnaval
E como se por trás da máscara
houvesse um rosto líquido
e brincássemos com medo
de ser descobertos
e não soubéssemos o enredo

e se o som não fosse física
se o medo quebrasse o ritmo
ele (o medo) não estaria desfilando
na avenida suja
de fósforos e faíscas
e confetes
e enfeites

E se o desfecho
fosse um  começo
ao avesso
O samba não estaria exposto
na travessa
sem rosto
sem gosto
insosso

Pra que sal,
se há purpurina?

Lembre-se da festinha
quando for setembro
e o tempo
estiver se desdobrando incessantemente
em inúmeros fevereiros
em incansáveis maços
E não houver mais habitat para as morsas
Pois a fantasia já terá se derretido

Como um picolé que nunca conseguíssemos saborear
Como se a terra fosse o mar
em pó

E quando você estiver só
A fantasia jogada a um canto
Na garganta um nó
O tédio como resquício
do samba desfolhado
A poeira brilhando no rodapé como se fosse um paetê que se descolou
O que será daquele projeto
que nunca decolou?

Só terá como sobra
os desafetos
o gosto amargo
da cerveja
a ressaca
de segunda-feira
Aquela falta de graça
do fim de férias
Estará pisoteada a bandeira
Nas ruas o cardume humano estará disperso
Como se houvesse explodido
a fissão no núcleo

E cada bolha de tédio
e cada calo no pé
e toda rotina servida
(em postas)
e sempre essa vida sem graça
(e sempre o mundo
nas nossas costas)
e nós todos num fim de mundo
no fundo do poço,
na fossa
(boiando juntos
com todas aquelas
bostas).

2 comentários:

Luis Eustáquio Soares disse...

salve, querida helena, helênica. seu poema serpenteia na rotina e a bostifica, com a marca sua, seu estilo, de afetiva escrita, de liso espaço, como se tatuasse, ao escrever, e assim é/ como a nomadologia de deleuze-guattari; sua escrita nõmade.

beijos
l

Lu Morena disse...

perfeito.