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quinta-feira, 24 de março de 2011

De como as baratas tomaram a Lua

Os poemas
transbordam
de imaginação
gordurosa,
saturada
e pegajosa
e deles
escorre
um óleo
que lambuza o ar
de éter
e, condensados
no cateter,
expelem bolhas
policromáticas
de onde são filtradas
os matizes
das tintas
das telas
cubistas.

Poetar
é grafitar
as pirâmides
do Egito
e soltar o grito
e soprar o apito
e abrir o peito
e pular um salto triplo
e esvaziar as tripas
e provocar o prefeito.
É estragar
tudo que é perfeito,
se é que o era
porque assim o
julgávamos.

Perfazer o caminho
e inventar novas rotas
feito um astronauta
que caminhasse pela via láctea
e tropeçasse num pó cósmico qualquer:
tinha um pó cósmico qualquer no meio do caminho
no meio do caminho tinha um pó cósmico qualquer
e, caído no meio da via,
seria atropelado por um cometa
cometendo o erro
de depois ser abduzido
por um buraco negro
(não que o buraco seja
descendente de africanos,
entenda-se bem.
ele era, na verdade,
descendente
de marcianos).

Mas o buraco não o quis,
o rejeitou
e o mandou pro espaço
num definitivo espasmo
e o astronauta
ficou
despaciado
despatriado
despedaçado
e em trapos
e saiu da via láctea
pra via sacra
e foi crucificado
por um bando de alfaiates
que disseram que
seus trapos
não caíam bem
(o corte dos trapos
estava
fora de moda).

E ele ressuscitou ao terceiro dia
e foi para o céu.
Mas o céu não o quis.
E ele rumou pro Inferno
e Lúcifer não o aceitou
então ele ficou num vácuo
mas o vácuo
não o quis.
Então ele reencarnou.
E sua mãe o abortou.

Então aquele feto morto
foi entubado num vidro
com éter
e exposto num laboratório
e lá ele ficou
pois nenhum necrotério
o aceitaria.
Então ele ficou
encerrado nesse
vidro que foi empoeirando
na estante
esquecido dos seres viventes
até que um dia
um pesquisador o encontrou
e o dissecou
e assim descobriu
um truque
que salvaria muitas vidas.
E ele foi canonizado como o
Santo Feto Esquecido nos Laboratórios.

E seu esqueleto
foi para um museu em Paris.
Mas o Vaticano o quis.
E a potência-mor, que apoiava o Vaticano
invadiu Paris.

E aí começou
a Terceira Guerra Mundial
e alguém resolveu lançar
a bomba H
e a raça humana acabou
e o planeta Terra
foi tomado pelas baratas,
que evoluíram
e tomaram também a Lua
e lá se multiplicaram tanto
que a Lua ficou negra.

Enquanto isso,
aqui na Terra,
uma barata arqueóloga
descobriu o crânio de um feto
e fez dele sua casa.

Outra barata
escreveu um livro sagrado
que dizia que um dia
a Terra fora
habitada por humanos.

Mas surgiu a facção
das baratas que não acreditavam em humanos.

Mas as baratas da
outra facção
(a que acreditava no livro sagrado)
inventaram
a grande máquina de eletrocutar baratas
e as baratas assassinas
começaram a se eletrocutar umas às outras
até que a última barata da Terra
se suicidou.

E a Terra ficou somente habitada
pelos vegetais.
E tudo ficou em paz.

Enquanto isso, na Lua,
as baratas,
grávidas de pensamento,
escreviam poemas.
E uma barata qualquer
escreveu sobre um astronauta
que tropeçava na via láctea...

... e o poema era tão
longo e tão chato
- quase uma epopeia -
que nenhuma outra barata
aguentava lê-lo.

terça-feira, 22 de março de 2011

Hélio

Baixa aqui, céu, na minha mão
feito nuvem em caldas
feito anjo em pó
feito uma unha tão mal-feita
que dá dó
feito a estrela que caiu na esquina
e, se não se descem as cortinas,
invade os apartamentos
com sua luz e calor
feito uma bola de fogo
que estivesse suspensa no céu
e em torno da qual girássemos
desde os tempos jurássicos.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Teto

A tela tecida
com nós e cadarços
é a rede vazia
do anjo em andrajos.

Deus está nu
e o Rei tem trapos
que tapam o cu.

Se a veste é dourada
e a íris rosada:
a rosa-dos-ventos
numa lufada.

O lúpus que luta
com a pele mofada
é pérola descamando
da lepra encarnada.

E cada lótus
retrai-se em fatos
molhando as vestes
dos distraídos.

A roupa que cobre a pele
é véu que desvelamos
a quem nos revelamos
e amando
nos cobrimos
de corpos.

Cai um copo
e os cacos se espatifam
em doces rasgos
de vitrais quebrando:

a rosa-dos-ventos
desfolhada pela rajada
caiu no cimento
onde foi pisoteada
pelos pés descalços
dos andarilhos.

A vida do trilho
se descarrila
o anjo em andrajos
se descabela:
o mel na panela
é feito um suco
e o musgo da janela
floresce nos sulcos.

O sumo é ácido.
O véu, ventila.
O vento, farinha.

Faz casinha
que eu vou acender
um fósforo:
não venta aqui
vai lá pro Bósforo.

E a rosa ventou
essa canção.

Se faz sol,
eu abro o guarda-chuva
pra regar as ideias.

Se faz mel,
eu te chamo de abelha
e te faço colmeia.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Pó ético

Rói minhas vísceras
um verme chamado vazio.
O inverno dói em cada galho seco
fazendo a ovelha tremer de frio.

O deus grego,
sonâmbulo como todos os deuses,
venera o humano africano,
ruminando sua zombaria
entredentes
E o capeta,
com seu tridente,
espeta as nádegas rechonchudas
de um  anjo barroco
esculpido em carne
e escarrado em gesso
soprando um gás etéreo e
explodindo em hélio
feito uma bomba
bochechuda e convexa
do espelho retroflexo.

Da janela jorra feixes
freneticamente
feito uma ampulheta de luz
que escorresse ávida.

A santa copula grávida
para parir um
feto concreto
e limpar os excrementos
dos gélidos abismos.

O abalo sísmico
embala a bala de iogurte
e deixa os tijolos moles
fazendo desmoronar
cada etapa de cal:
a ala gótica
a igreja eclética
a freira esquelética
e tudo é pó.

quarta-feira, 9 de março de 2011

As cordas do coração

Eu tenho uma relação de amor e ódio com o mundo e com todo mundo que vive no mundo. Eu sempre acabo machucando as pessoas de quem eu gosto muito. Como se a agressão fosse uma prova da minha afeição. E com o mundo e a vida, além do amor e do ódio, tem o tédio existencial. E uma náusea que vai desde o dedão do pé até as pontas dos fios do meu cabelo. É muito difícil ser intensa e visceral. Num segundo eu posso estragar tudo. Estragar uma relação para sempre. Se a gente pudesse dar corda pra trás no relógio da vida... mas eu quase sinto que faria do mesmo jeito. Do mesmo jeito estragado. Como se a vida fosse um bolo embolorado que temos diante de nós na mesa e somos obrigados a digerir, diante de todos os comensais, e não podemos nem fazer cara feia e temos que fingir que é gostoso. As cordas do coração estão bambas depois de se distenderem até o último nível de tensão. O elástico é um fio inerte depois de dele ter sido extraído a música estridente e dissonante.

sábado, 5 de março de 2011

Tum-tum-tumba

Lá fora a rua está em flocos
Só eu não estou em bloco
Até a gelatina se dispersou em cubos contíguos
E para não dizer que não tenho amigos
te estendo a mão:
e dou com a cara no chão.

O suor de todas as peles
forma uma superfície única.
A sandália está gasta
e a multidão se arrasta
obedecendo ao compasso

E a fricção é nula
A rua aberta é a jaula
e ninguém quer lembrar
que depois da folia tem aula.

O arlequim salta e pula.
A bailarina se anula.
O mequetrefe faz firula.
A purpurina tatua

a tua e a minha pele
a pele do mundo
e o chão

A serpentina escorre em caldos
e escuta o ritmo:
cada metro de samba
é para esquecer
que tudo se acaba em tumba.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Sem-terra

                                                                       a David Cunha

Eu sei que a "Rosa onírica" e o "Vitral lúdico" precisavam de uns retoques, alguns, poucos retoques, mas, só os títulos, já são tão poéticos, que por si só despertaram a minha admiração... mas os textos também são bons... muito bons, por sinal...

Talvez você nunca me perdoe, eu não sei exatamente do que, talvez tenha relação com eu ter tomado aversão a vídeos... por isso eu não vi o vídeo da Natália, mas eu queria ter visto, afinal, eu a admiro muito enquanto atriz. Se eu tivesse uma segunda chance... (de ver o vídeo da Natália, obviamente, pois de ter a sua amizade seria a terceira).

Mas você ou me despreza, ou eu sou objeto do seu escárnio, ou você não me perdoa por eu não devotar mais exclusividade a você num determinado aspecto virtual.

Então eu me afasto, me retiro da sua vida, sem limpar os pés no tapete da porta de entrada (ou de saída) para que você não tenha que lidar com a minha sujeira... Eu sei, a distância, é tão difícil... Mas é mais difícil para mim, que já não tenho mais terra natal, pois quando vou aí também sou estranha... já não sou dessa terra, não sou de terra alguma, sou desterrada, sem-terra.

Mas aprendi a me resignar. Estou resignada por não poder ver você atuando, por não ter a sua amizade e por ser sem-terra, desterrada, soterrada.

E não se preocupe. As minhas cartas são sempre cartas de suicida, mas eu já não afundo mais a navalha no pescoço... Aprendi a empurrar a vida com a barriga, e a enfrentar todas as vísceras da vida... em cada víscera, em cada pétala da víscera, em cada pele descamando da víscera.